Rosalía – LUX (2025)

Eduardo Marino

Desde o primeiro som, LUX instala-se no corpo como um arrepio. Ao quarto álbum, Rosalía deixa de ser estrela pop para se tornar fenómeno quase espiritual.

“Arrepio — substantivo masculino: reação física súbita provocada por frio, medo ou emoção intensa; pele eriçada, corpo em alerta”. É exatamente isso que LUX, o novo álbum de Rosalía, provoca à primeira audição. Um sobressalto, uma espécie de choque sensorial entre a beleza e o assombro. Ao quarto disco, a artista espanhola cresce ainda mais, numa fase em que tantos se repetem ou se acomodam. Em vez de descansar na própria glória, Rosalía decide subir de nível — transforma a sua música num território sagrado. LUX não é apenas um álbum: é uma experiência que se sente na pele.

O primeiro sinal de que LUX seria um disco fora de órbita veio com “Berghain”, o single de avanço. O nome não engana — é o lendário clube berlinense, templo do techno e da libertação física, onde o tempo e o corpo deixam de obedecer a regras. e o videoclip é uma obra de arte em si mesmo. É impossível olhar e não sentir que estamos a assistir a algo que redefine o que pode ser um videoclip em 2025.

O disco chega envolto em reverência. A London Symphony Orchestra dá-lhe uma aura quase divina, daquelas que transformam até um verso simples num relâmpago espiritual. Mas LUX não é um disco de missa: é um labirinto. Está dividido em quatro movimentos, como se fosse uma sinfonia moderna, com o mesmo rigor formal de uma obra clássica, mas atravessado pela energia elétrica de quem cresceu entre o flamenco e o techno.

No primeiro movimento, há fé e carne — temas como “Reliquia” e “Mio Cristo Piange Diamanti” põem a devoção e o desejo lado a lado, sem culpa nem vergonha. Depois vem o segundo, mais terreno, onde batidas e eletrónica se impõem. Em “La Perla”, Rosalía desfaz-se de um amor com ironia e raiva, atirando versos como punhais: “Gasta el dinero que tiene y también el que no/Él es tan encantador, estrella de la sinrazón/Un espejismo, medalla olímpica de oro al más cabrón/Tienes el podio de la gran desilusión” É o lado ácido da santidade, a vingança com melodia.

O terceiro movimento mergulha no existencial: “Dios Es Un Stalker” ou “La Yugular” soam a meditações, onde a espiritualidade é confundida com a auto-exposição. Já no quarto movimento, tudo se torna mais humano, mais frágil, mais belo. É aí que surge Carminho, na canção “Memória”, a trazer o português para dentro do universo de Rosalía, como se o fado viesse emprestar saudade à divindade. A combinação é perfeita: a solenidade da orquestra e a doçura grave da voz de Carminho fazem deste tema um dos pontos altos do álbum.

Rosalía canta aqui em mais de dez línguas — castelhano, catalão, inglês, latim, japonês, português, entre outras — mas não é exibicionismo: é o reflexo de um mundo global que ela habita naturalmente. Quando canta em português, soa íntima; quando passa para o latim, soa celestial; quando se entrega ao castelhano, volta a ser corpo.

Colaboram ainda nomes como Björk e Yves Tumor (na referida “Berghain”) mas, sinceramente, tudo gira à volta dela. É como se Rosalía já não fosse apenas uma artista — fosse um género em si mesma. E é impressionante como, depois de tudo o que conquistou, ainda consegue surpreender, como se cada disco fosse um novo renascimento.

Em LUX, ela não tenta agradar ninguém. Não há refrões fáceis, não há singles óbvios, não há procura por tendências. O que há é uma visão total: o som de uma mulher que transforma o pop em liturgia. Depois disto Rosalía não precisa de provar mais nada. O seu lugar no céu já está garantido.

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