Num panorama musical cada vez mais dominado pela velocidade do conteúdo, pelo brilho do algoritmo e pelo esquecimento instantâneo, os Public Enemy regressaram com um gesto que desafia o tempo e a lógica da indústria. Black Sky Over The Projects: Apartment 2025 não é apenas mais um disco — é um manifesto, um lembrete contundente de que o hip-hop nasceu como resposta, como resistência e como voz coletiva dos que foram silenciados.
Desde a explosiva estreia no final dos anos 80, Chuck D e Flavor Flav carregam um peso simbólico maior do que a maioria dos seus pares: foram — e continuam a ser — os cronistas da tensão racial nos Estados Unidos, os mestres do grito lúcido, os militantes da batida. Com este novo álbum, lançado de surpresa e com acesso gratuito durante as primeiras 72 horas, os Public Enemy reiteram o compromisso com a sua base, com o povo, com os bairros esquecidos e com a memória colectiva dos marginalizados.
O título é já uma metáfora carregada: Black Sky Over The Projects evoca a sombra persistente que cobre os bairros sociais americanos — a violência estrutural, o abandono e a hipocrisia política. Mas Apartment 2025 também sugere clausura, observação e, acima de tudo, futuro. Não é só um retrato do agora — é uma previsão, uma denúncia contínua que olha para frente com olhos calejados. A escolha de lançar este álbum em pleno verão de 2025, num ano eleitoral nos EUA, não é coincidência: é estratégia e ativismo.
O processo criativo deste disco tem raízes na urgência, mas também na memória. Chuck D, agora com mais de 60 anos, usa a maturidade como arma. Em vez de disfarçar a idade, assume-a como lente crítica: não há disfarces nem tentativas de parecer “moderno”. Ao contrário, o álbum reforça a ideia de que a experiência, a persistência e a coerência são também formas de resistência artística. Há, nos versos, uma consciência plena da passagem do tempo — não só pessoal, mas social. Os Public Enemy falam de um presente que parece repetir-se, onde os tiroteios nas escolas continuam, onde o racismo se adapta, onde a desinformação se espalha mais rápido do que as verdades.
Ao longo da sua carreira, o grupo sempre recusou a estética do conforto. Se o hip-hop se tornou, em muitos casos, produto de luxo e símbolo de ascensão individual, os Public Enemy sempre preferiram a confrontação coletiva. Este disco mantém essa linha, mas com uma linguagem mais densa, quase filosófica por vezes. A voz de Chuck D continua grave e firme — como um sermão laico sobre o estado da América — enquanto Flavor Flav oferece os contrastes, a teatralidade, o caos necessário à fórmula. A presença de bateristas como Tré Cool (dos Green Day) e produtores como C-Doc ou Sam Farrar confirma a abertura do grupo a cruzar géneros sem se descaracterizar.
Mais do que um conjunto de faixas, Black Sky Over The Projects é um exercício de resistência cultural. É um álbum que pergunta se ainda vale a pena levantar a voz quando o ruído é constante — e que responde com um sim intransigente. A sua força não está nas inovações sonoras ou em refrões orelhudos, mas na persistência de um discurso que recusa ser silenciado. Enquanto tantos procuram reinventar-se à força para se manterem relevantes, os Public Enemy mostram que a relevância também pode estar em manter-se fiel a uma missão.
Este disco não é para consumo rápido. É para ser escutado com atenção, relido, partilhado em voz alta. É música que educa, que provoca, que incomoda — como sempre foi a função mais nobre do hip-hop. E se a maioria se esqueceu disso, os Public Enemy estão aqui para lembrar.