No novo “Essex Honey”, Devonté Hynes faz aquilo que poucos têm coragem: vira o coração do avesso, pega no luto pela mãe e transforma-o num álbum que é ao mesmo tempo carta de amor à infância em Essex e mergulho nas sombras da memória. À primeira pode parecer estranho — tudo soa mais contido, mais suave, menos explosivo do que em “Negro Swan” — mas basta uma segunda volta para começar a entrar debaixo da pele. E depois já não há como largar. É daqueles discos que, sem fazer muito barulho, ocupam o nosso espaço mental e ficam ali, a ecoar.
Musicalmente, Hynes anda a brincar com referências dos anos 70, Elliott Smith, The Replacements e até uns toques de trip-hop suave. As guitarras soam quase tímidas, os pianos surgem como quem não quer a coisa e, de repente, há uma batida que quebra o silêncio e dá-lhe outra dimensão. É um álbum cheio de pequenos truques para recompensar quem ouve com atenção — há detalhes escondidos por todo o lado, camadas que só se descobre à terceira ou quarta audição.
As colaborações são outro charme: Lorde, Caroline Polachek, Daniel Caesar, Mustafa, Brendan Yates dos Turnstile e até Zadie Smith, sim, a escritora, que aqui empresta a voz numa faixa super delicada. “Mind Loaded” é o grande momento de “dream team”, juntando Lorde, Polachek e Mustafa num crescendo minimalista que de repente se abre e te leva junto. “Somewhere in Between” é provavelmente a canção mais imediata do álbum, aquela que fica logo no ouvido, com uma batida R&B discreta e guitarra suave. Já “The Last of England” é puro cinema: vozes gravadas, sons da rua, memórias faladas — parece que estás mesmo em Essex, a caminhar com Hynes pela sua própria história.
Comparado com os discos anteriores, “Essex Honey” é mais para dentro, mais íntimo, menos político à superfície e mais sobre o que dói lá dentro. A produção está cheia de ar, não há camadas em excesso, tudo respira. E é essa calma que o torna tão viciante — dá-nos espaço para sentir. “Look at You” abre com um clima quase hipnótico, “Thinking Clean” vai construindo tensão até nos deixar suspensos, e “Mind Loaded” é aquele momento em que tudo encaixa, as vozes cruzam-se e parece que o mundo pára por uns segundos.
Este é um disco para deixar ferver em lume brando. Não é daqueles que se devora de uma vez — pede tempo, pede entrega. Mas quando o deixas entrar, já não sai.
 
								 
															









