Legss – Unreal (2025)

Francisco Pereira

Crítica: 'Unreal' é o aguardado álbum de estreia dos Legss, um disco intenso e multifacetado que explora dissonância, beleza e a sensação de irrealidade no quotidiano.

Unreal é o aguardado álbum de estreia dos Legss, lançado depois de vários EPs — como Writhing Comedy (2019) e Fester (2023) — que foram preparando o terreno para esta afirmação mais plena. O disco chega numa fase de maturação clara da banda: eles passaram de experimentações cruas para construir algo com estrutura, tema, texturas mais variadas e mais camadas instrumentais. O facto de terem começado com várias limitações e crescimento lento torna o impacto de Unreal ainda mais relevante, como se finalmente conseguissem traduzir o que há no seu universo de ideias em algo completo.

Musicalmente, Unreal equilibra tensão e humor, dissonância e beleza. Há ali uma sensação constante de “desconforto estético” — vozes que se sobrepõem, guitarras que se revoltam, interlúdios que puxam para o atmosférico — mas tudo isso usado com peso e medida. Produzido por Balázs Altsach e Louis Grace, o álbum introduz instrumentos vivos como cordas e metais, algo que os Legss diziam ser um passo maior em direcção ao seu ideal sonoro, e que no fundo os ajuda a dar substância às flutuações de humor entre o sombrio e o contemplativo.

Já no campo temático, o disco explora ideias de irrealidade e de comunicação falhada. É a angústia do quotidiano elevado ao surreal. A banda fala de “miscommunication e feelings of unreality / the uncanny in everyday life; the tragic and the comic” como premissas centrais. Essas concepções permeiam a estrutura narrativa de Unreal: não é apenas uma colecção de músicas, mas um conjunto que tenta capturar a sensação de viver num mundo que, por vezes, parece deslocado ou distorcido pela própria cultura, pela pressão social, pela rotina alienante.

Mesmo lidando com atmosferas caóticas e texturas desconfortáveis, os Legss conseguem manter a coesão. Há momentos de entrega emocional real, em que a densidade sonora não sobrepõe à clareza lírica. A experiência torna-se mais convincente e viva a cada audição. O elemento surpresa parece manter-se ativo de cada vez que se ouve o disco e encontramos algo de novo.

No fim, Unreal aparece como um trabalho de declaração: um álbum que assume vulnerabilidade mas também determinação, que é capaz de ser crítico sem ser excessivamente denso ou inacessível. Para quem já vinha acompanhando os Legss, o disco marca uma evolução para algo maior, mais reconhecível; para novos ouvintes, é um convite poderoso ao que há de inquietação e brilho no rock alternativo contemporâneo.

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