Overpaid, Oversexed and Over There: How a Few Skinny Brits with Bad Teeth Rocked America

Francisco Pereira

David Hepworth

Em Overpaid, Oversexed and Over There, David Hepworth mergulha num dos capítulos mais fascinantes da história cultural do século XX: a invasão britânica dos Estados Unidos da América — não por tropas, mas por guitarras, letras irreverentes e sotaques cockney. É um relato vívido, espirituoso e perspicaz de como um grupo de jovens britânicos esqueléticos e de dentes tortos conseguiu virar do avesso o coração da juventude americana.

O livro abre com a cena já mitificada: a aterragem dos Beatles em Nova Iorque, em Fevereiro de 1964. Não foi apenas o início de uma tournée. Foi o primeiro disparo de uma revolução cultural que ninguém esperava, nem mesmo os seus próprios protagonistas. Numa América confiante, rica e ainda embalada pela sua autoimagem de superpotência pós-guerra, o súbito fascínio pelos rapazes de Liverpool foi algo de desconcertante. Como é que o país do jazz, do Elvis e da Coca-Cola se apaixonou pela estética acanhada de uma ilha encharcada e em declínio?

Hepworth sugere que essa transformação foi, em parte, o resultado de uma fusão improvável: o pragmatismo americano — a sua crença no sucesso, na produção em massa e na inovação — encontrou o espírito rebelde, sarcástico e muitas vezes auto-depreciativo dos britânicos. O resultado não foi apenas uma nova sonoridade no rock and roll, mas uma mudança de atitude, de linguagem corporal, de moda, de narrativa.

É difícil sobrestimar a improbabilidade do fenómeno. Os protagonistas desta história — Beatles, Stones, Who, Kinks, Bowie — tinham crescido num Reino Unido em austeridade, com memórias ainda frescas da guerra, da reconstrução e dos livros de racionamento. Tinham olhado para a América como quem espreita pela montra de uma loja de brinquedos: um mundo de promessas, de carros grandes e sonhos embalados a jukeboxes.

E, de repente, esse mundo abriu-lhes as portas. Foram convidados a tomar o palco, a viver a abundância americana, a redefinir os seus próprios mitos. E fizeram-no com uma audácia encantadora, muitas vezes caótica.

O livro percorre momentos icónicos com uma escrita ágil e cheia de humor: os Beatles em Shea Stadium, os Stones em Altamont, os Who na Metropolitan Opera House, ou David Bowie a aterrar nos EUA com vestidos no guarda-fato — cada um desses episódios não é apenas memorável, mas histórico, precisamente porque tudo estava a acontecer pela primeira vez. Era uma era de estreia permanente, em que o rock ainda era novidade, irreverência e aventura.

Hepworth, conhecido pela sua experiência como jornalista musical e pelo seu olhar generacional, faz mais do que apenas listar acontecimentos. Ele mostra como essa “invasão” mudou a forma como a América se via a si própria. Os britânicos não apenas cantavam de maneira diferente — eles vestiam-se diferente, falavam diferente, desafiavam normas, misturavam géneros. Transformaram o palco americano num laboratório de experimentação cultural, onde o conservadorismo dos anos 50 colapsou perante o psicadelismo, a androginia e o niilismo rock dos anos 70.

E é aqui que está uma das maiores qualidades do livro: a consciência de que aquele tempo foi irrepetível. Como o próprio autor sugere, “o rock and roll nunca mais seria tão emocionante”. Porque, depois disso, o mercado adaptou-se, as gravadoras tomaram o controlo, e a rebeldia tornou-se produto.

Overpaid, Oversexed and Over There é mais do que uma crónica musical — é um retrato de uma viragem cultural sem precedentes, em que o Velho Mundo ensinou o Novo Mundo a dançar de novo, e a questionar-se a si próprio no processo. Com ironia britânica e precisão jornalística, David Hepworth desenha o mapa de um momento em que alguns jovens com sotaque, guitarras distorcidas e pouco a perder mudaram para sempre o som da América — e, com ele, a alma do Ocidente.

Um livro obrigatório para quem acredita que a música é mais do que som: é história viva.

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