“Splitsville” – quando o amor deixa de ter manual

Eduardo Marino

Quando a amizade se mistura com desejo, o equilíbrio é sempre precário. Splitsville observa esse desassossego com humor, ritmo e uma franqueza pouco comum nas comédias românticas recentes.

Splitsville estreou em Sundance 2025, onde foi recebido com riso cúmplice e surpresa — daqueles filmes que o público aplaude antes do genérico final, não por grandiosidade, mas por reconhecimento. A crítica norte-americana reagiu de forma sólida: chamaram-lhe “uma das raras comédias que entende o caos emocional sem o reduzir a caricatura”. Foi comprado no festival pela Neon, o que ajudou a cimentar o rótulo de “indie de prestígio”, embora o filme nunca pareça querer encaixar-se num molde.

Realizado por Michael Angelo Covino, que também interpreta um dos protagonistas, o filme, agora estreado em Portugal, tem argumento coescrito por ele e Kyle Marvin, seu parceiro de longa data. Ambos voltam a trabalhar juntos depois de The Climb (2019), e a cumplicidade nota-se. O elenco completa-se com Dakota Johnson e Adria Arjona, que equilibram presença e contenção num retrato de quatro adultos a tentar definir o que é liberdade num contexto de intimidade.

A história começa com Ashley (Arjona) a pedir o divórcio a Carey (Marvin). Ele procura apoio junto de um casal amigo, Julie (Johnson) e Paul (Covino), que vivem uma relação aberta aparentemente equilibrada. A partir daí, tudo se complica. Um beijo mal interpretado, um encontro fora de hora e uma sucessão de pequenas omissões criam um jogo de espelhos em que ninguém está totalmente errado nem certo. O argumento não julga — observa. Mostra como o desejo e a autonomia podem coexistir até deixarem de caber no mesmo espaço.

O filme evita o discurso moral sobre as relações abertas. Não há lições nem finais exemplares. O que há são pessoas a tentar entender onde começa a liberdade e onde acaba o medo de perder o outro. Quando tudo é permitido, descobre-se que o risco maior talvez seja a honestidade.

Formalmente, Splitsville mantém os mecanismos típicos do cinema independente americano: planos longos, montagem discreta e humor que surge de gestos mais do que de punchlines. Há momentos de comédia genuína, mas o filme nunca se refugia na piada fácil.

A receção em Sundance destacou precisamente essa maturidade de tom. Alguns críticos compararam-no a Frances Ha e The Big Chill, pela forma como retrata a amizade adulta com franqueza e ironia. Outros sublinharam a química entre Covino e Marvin, e a forma como o guião consegue transformar falhas de comunicação em motor narrativo.

No fundo, Splitsville é um filme sobre o que acontece quando tentamos racionalizar o amor. Sobre a diferença entre liberdade e desresponsabilização. E sobre a persistência das velhas inseguranças mesmo nos modelos de relação mais modernos. Não tem moral, mas tem clareza: ninguém sabe bem o que está a fazer, e talvez isso seja o ponto.

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