Encontrámo-nos com Patrick Watson, na passada semana, no meio das Olaias para falar de Lisboa, do seu novo disco e das suas influências. O músico recebe quem o vai entrevistar com um sorriso fácil e uma energia genuína — simpático, falador, com aquela espontaneidade de quem encara cada encontro como uma conversa verdadeira.
Hoje, 26 de setembro de 2025, é dia de lançamento do seu novo disco, Uh Oh, um projeto cheio de colaborações e nascido num momento difícil em que Patrick chegou a perder a voz durante três meses — uma crise que, paradoxalmente, o impulsionou a reinventar-se como compositor para outras vozes.
Ele viajou até Portugal para apresentar este novo trabalho e para promover os dois concertos que vai fazer em solo português em 2026: no Porto, no dia 14 de janeiro, na Casa da Música, e em Lisboa, no dia 15 de janeiro, no Lisboa Ao Vivo.
O teu primeiro concerto em Portugal foi em março de 2008, na Aula Magna, em Lisboa. Que memórias tens dessa estreia?
Ficámos em choque com esse concerto. Era a primeira vez que vínhamos a Portugal e havia uma grande possibilidade de não termos muita gente a assistir. Mas o que aconteceu foi surpreendente. Lembro-me, em particular, de uma canção, “Drifters”, em que senti isso de forma muito clara. Foi um dos primeiros sítios, a par da Holanda, onde as pessoas se abriram totalmente à nossa música. E, por causa disso, ao longo dos anos, fomos criando uma relação próxima e divertida com Portugal. É um país que sempre nos recebeu muito bem, desde o primeiro momento, com enorme abertura.
Lembro-me bem desse concerto: a certa altura saíste do palco, foste para o meio da plateia e começaste a cantar. É algo que costumas fazer, esse contacto direto com o público.
No início, eu não era um grande frontman. Quando começámos a dar concertos, não fazia ideia do que estava a fazer, não sabia como me posicionar em palco. Tivemos depois uma digressão em que abríamos para o James Brown – sete datas. Era óbvio que não estávamos ao nível dele e que iríamos ser “arrasados” noite após noite. Por isso, todas as noites eu assistia ao concerto dele e tentava aprender como ser um verdadeiro frontman. Foi como um curso universitário intensivo de sete dias com o James Brown (risos).
A primeira coisa que aprendi foi que, mesmo que não seja o teu estilo musical, a melhor forma de estar em palco é dar 150%, nunca apenas 100%. Mais tarde, tivemos um concerto na Torre de Londres. Havia uma área VIP completamente vazia e os nossos fãs estavam todos a uns 30 metros do palco. Então, levei o microfone, saltei o setor VIP e fui até ao público. Foi aí que percebi a importância de quebrar essa barreira. A música é uma experiência de energia partilhada, e essa foi a minha forma de trazer o público para o palco connosco. Desde então, mantenho essa filosofia: fazemos sempre tudo o que podemos para dar 150%.
Mas não é assim tão comum ver músicos a fazer isso.
Hoje em dia vejo muita gente a fazê-lo. Talvez na altura não fosse tão comum, mas a verdade é que um concerto só é tão bom quanto o seu público. Podes ter a melhor banda do mundo, mas se não tiveres a sala contigo, não será um concerto memorável. Muitas vezes, as noites mais mágicas em digressão não são aquelas em que tocas melhor, mas aquelas em que, mesmo esgotado, a energia da sala transforma tudo numa experiência inesquecível.
É isso que as pessoas muitas vezes não percebem: quando vêm a um concerto meu, não vêm apenas para me ver, mas para partilhar uma experiência com milhares de pessoas ao mesmo tempo. É para isso que pagam o bilhete – para viver uma emoção coletiva. Até pode estar um amador em palco, mas o que importa é a comunhão, o divertimento, as palmas em conjunto.

Desde esse primeiro concerto em Portugal, voltaste várias vezes, em nome próprio e em festivais. O que te faz regressar tantas vezes?
É como uma amizade. Quando um país te recebe assim, cria-se uma ligação especial. Por exemplo, quando vejo o Nuno (ndr: promotor do Patrick Watson em Portugal), que está connosco desde o início, sinto que revejo um amigo. É curioso: quando não estou em Portugal, simplesmente sigo a minha vida. Mas, assim que aterro e vejo o Nuno, é como se uma versão do Patrick “português” voltasse a entrar em cena, como se nunca tivesse saído.
Isso acontece em várias cidades, mas em Lisboa é particularmente forte. O Nuno tornou-se como um amigo chegado, quase família. assim que aterro e vejo o Nuno é como se recuperasse uma versão do Patrick. Não é que necessariamente me pertença e não sou eu exatamente mas quando vejo o Nuno é como se esse outro Patrick com quem viajo, entrasse em cena e é como se nunca tivesse saído. É como voltar a casa – mesmo sabendo que não é a minha casa. É difícil explicar porquê, mas as memórias que guardo de Lisboa dão-me sempre essa sensação estranhamente familiar.
Essa ligação acabou mesmo por se transformar em música. Em 2021 lançaste o EP A Mermaid in Lisbon, com a Teresa Salgueiro. Como nasceu essa colaboração?
Descobri os Madredeus através do filme Lisbon Story. Eu estava nos meus vinte anos e ouvia a banda sem parar quando viajava. Por isso, quando comecei a vir a Portugal, aproveitei o facto de ter alguma notoriedade para perguntar se seria possível colaborar com a Teresa Salgueiro. Foi mágico conhecê-la. Imagina: alguém que esteve nos teus headphones durante 15 anos e, de repente, estás a cantar com ela. Quando a conheci, só me apetecia chorar – e chorei mesmo.
O EP também nasceu da forma como eu vivo Lisboa. Adoro vaguear pelas cidades à noite, e Lisboa está no meu top 5 de cidades preferidas para isso. Gosto de percorrer as ruelas, os becos mais escondidos, onde tudo parece meio sujo, meio estranho – e, com música nos ouvidos, a experiência é absolutamente fantástica. Durante a pandemia, confinado em casa, era precisamente essa experiência que mais me faltava em Lisboa.
A Maro entrou de forma inesperada. Vi-a no Instagram, a cantar uma cover de uma música minha, e fiquei lisonjeado e também impressionado com a voz dela. O tom, é como se ouvisses gerações de música portuguesa na sua voz, mas reinventada com frescura moderna… é comovente. Entrei em contacto com ela e fizemos “The Wandering”. Essa canção pedia a língua portuguesa, não funcionava de outra forma. Não consigo imaginar ninguém melhor do que a Maro para a cantar. Foi incrivelmente generosa em aceitar, e eu senti-me muito honrado.
No teu novo álbum Uh Oh, quase todas as músicas são colaborações. Tal como com a Maro, algumas cantoras descobriste por acaso, outras já são bem conhecidas.
Exato. Algumas eram totalmente desconhecidas, como a Solann. Quando a ouvi pela primeira vez, ela nunca tinha gravado nada nem tinha contrato discográfico, mas cantava em francês de forma excecional – e é muito difícil cantar bem em francês. Escrevi-lhe, ela aceitou e juntos fizemos “Ça Va”.
A Hohnen Ford foi uma descoberta semelhante. Também não tinha gravado nada quando nos conhecemos, mas achei que a voz dela era das melhores que já tinha ouvido. Já a Nova (November Ultra) conhecia de antes, e a Martha Wainwright dispensa apresentações. Curiosamente, conheci a Nova numa entrevista.
A verdade é que escolho cantoras que cantam como eu gostaria de cantar. É quase egoísta: eu, o Mishka e o Ariel (ndr: músicos da banda) procuramos vozes que nos permitam explorar outros universos musicais, com diferentes narrativas e linguagens. É mesmo uma cena egoísta.

Mas reparei que escolheste apenas vozes femininas.
Sim, mas não foi intencional. Também gosto muito de vozes masculinas, especialmente no hip-hop e no r&b. Cheguei a falar com o Daniel Caesar, por exemplo, mas ele estava ocupado. Há muitos artistas com quem adoraria colaborar, mas nem sempre é possível estabelecer essa ponte.
No entanto, certas histórias resultam melhor contadas por vozes femininas. “House on Fire”, por exemplo, não faria sentido apenas com voz masculina, porque é sobre a dinâmica entre homem e mulher.
E olhando agora para trás: quando eras miúdo, que música te deixava entusiasmado, ao ponto de pensares “eu quero fazer isto”?
Provavelmente, a artista que mais me fez querer ser músico foi a Björk. Eu ouvia muita música, cantava num coro e estava muito ligado à música clássica. Também escutava Crosby, Stills, Nash & Young ou Pink Floyd. Mas nunca pensei em ser cantor. Não me via como um Springsteen, um Bowie ou um Lennon ou alguém interessante assim.
Quando ouvi a Björk, percebi que era possível usar a voz como um instrumento, e isso abriu-me horizontes. Ela misturava elementos clássicos de forma criativa, sem cair em arranjos pop manhosos. A liberdade dela inspirou-me a pensar: “isto eu consigo fazer”.
Dave Grohl conta, na sua biografia, que quando viu os The B-52s pensou: “Isto pode-se fazer?”. Na tua adolescência, o que mais ouvias?
Isso é muito interessante… Um pouco de tudo. Não era propriamente um conhecedor profundo de música, até porque cresci numa aldeia pequena e ouvia o que estava mais acessível. Muito Supertramp, Pink Floyd… Ao mesmo tempo estudava música clássica e apaixonava-me por bandas-sonoras, como a do filme O Piano, que me levou a querer aprender piano.
Também adorava Beastie Boys, Rage Against the Machine, obviamente Radiohead. E as bandas-sonoras de David Lynch foram uma influência enorme – aquele sentimento de estar separado da realidade marcou muito o que faço.
* fotografias gentilmente cedidas pela Popstock! Portugal









