Wagner Moura dá rosto ao medo em “O Agente Secreto”

Eduardo Marino

Kleber Mendonça Filho transforma a ditadura e o Recife num retrato incisivo do poder e do medo. Um filme político e contido, com Wagner Moura num dos papéis mais fortes da sua carreira.

Em O Agente Secreto, o realizador Kleber Mendonça Filho volta a mergulhar no Recife que o habita — e que ele próprio transformou, ao longo da sua filmografia, num espelho inquietante do Brasil. Depois de Bacurau e Aquarius, Kleber regressa com um filme mais sombrio e contido, mas também mais pessoal, que lhe valeu o Prémio do Júri em Cannes e que, segundo muitos críticos, pode finalmente projetar Wagner Moura para uma nomeação ao Óscar de Melhor Ator.

O título engana: O Agente Secreto não é um thriller de espionagem convencional. É antes uma radiografia emocional e política sobre o medo, num país traumatizado pela ditadura militar brasileira. Wagner Moura interpreta Henrique, um funcionário público aparentemente banal, que nos anos 70 trabalha num departamento governamental.

A força do filme está na forma como Kleber Mendonça Filho recusa a grandiloquência. Em vez de cenas espetaculares, há corredores estreitos, ruídos de ventiladores, janelas entreabertas e o peso da suspeita que nunca abandona o ecrã. É um cinema que respira a lentidão do medo. Wagner Moura domina cada plano — contido, quase mudo, mas com grande intensidade no olhar.

Recife, como sempre, é mais do que cenário. A cidade de Kleber Mendonça Filho volta a ser filmada como um organismo vivo, cheio de memórias e fantasmas. O realizador faz questão de a mostrar não como postal turístico, mas como um arquivo sensorial da história brasileira. É impossível não pensar em Retratos Fantasma, o documentário de 2023 onde Kleber explorava os antigos cinemas do Recife como metáfora da memória coletiva.

Visualmente, o filme é um prodígio de contenção. A fotografia, em tons ocres e azulados, cria uma atmosfera de claustrofobia moral; a banda sonora, feita de sons quotidianos e rádios distantes, reforça a ideia de que tudo — até o silêncio — pode estar a ser gravado. Kleber não filma a violência (senão mais lá para o final); filma o medo de que ela possa acontecer.

Com O Agente Secreto, Kleber Mendonça Filho confirma-se como um dos cineastas mais coerentes da atualidade. O seu cinema continua a nascer da relação entre o pessoal e o político, entre a casa e o país, entre o ruído do mundo e o silêncio interior. E Wagner Moura, num registo contido mas devastador, oferece a performance de um homem que sabe que vive num país onde os mais pequenos detalhes podem ser um ato político.

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