“Train Dreams”: um épico íntimo que é um dos filmes mais bonitos na Netflix

Eduardo Marino

Train Dreams pinta uma vida comum com cores raras. Um filme para sentir devagar, com banda sonora de excelência de Bryce Dessner e uma colaboração com Nick Cave, no final.

Em Train Dreams, o realizador Clint Bentley adapta a novela de Denis Johnson para contar a história de Robert Grainier, um lenhador do início do século XX que vive entre a natureza imensa do Noroeste americano e as transformações sociais e pessoais da sua época. A câmara passeia pela floresta, pelos trilhos de comboio e pela madeira cortada como quem revisita memórias: um mundo em mudança que pulsa com uma beleza melancólica.

A fotografia de Adolpho Veloso é um dos pontos altos do filme — cada plano parece uma pintura, cada árvore tem uma presença quase espiritual. A natureza não é só fundo: é personagem, testemunha e memória. O filme funciona como uma meditação visual sobre a passagem do tempo, o peso da perda e a relação íntima de um homem com a terra que habita.

No centro desta elegia está Joel Edgerton, na pele de Robert. É uma das suas interpretações mais contidas e poderosas: ele é um homem simples, marcado pela ausência e pelo esforço, mas que vê nos gestos mais modestos — um tronco, um olhar, uma lembrança — a verdadeira profundidade da vida. Ao seu lado, Felicity Jones interpreta Gladys, o amor que lhe dá um refúgio suave, e William H. Macy oferece momentos de sabedoria discreta.

Narrado por Will Patton, o filme constrói o seu ritmo de forma não linear, como se estivéssemos a folhear um álbum de recordações, pendendo entre o presente e o passado, entre o trabalho duro e as perdas. Há força na simplicidade da sua moral: Robert não é herói, mas há grandeza na sua humidade.

Na banda sonora de Train Dreams, Bryce Dessner (dos The National) constrói um ambiente sonoro emocional, entrelaçando melodias orquestrais com influências de folk norte-americano. Ele usa técnicas analógicas — como microfones de fita dos anos 30–40 — para conferir à música uma textura quase vintage, orgânica e carregada de nostalgia. No final, a voz de Nick Cave entra num tema comovente co-escrito com Dessner.

É fácil perceber por que este filme anda nos radares dos prémios. Além de ter uma fotografia sublime, a sua narrativa emocional e a performance de Edgerton têm sido apontadas como fortes candidatas para os Óscares.

Às vezes, o cinema mais poderoso é aquele que fala baixo, com gestos mínimos e silêncio. Train Dreams não grita — sussurra. E esse sussurro coloca-o entre os filmes mais bonitos que a Netflix lançou este ano.

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