“Bo Diddley Possui-me”: Conversa com Csaba Simon dos Nite Chimp sobre rock, bolor e Lisboa.

Francisco Pereira

A propósito do lançamento do novo EP 'Mold Scare', editado a 1 de agosto, conversámos com o líder do projeto, Csaba Simon.

Nascido da visão solitária de Csaba Simon em Pécs, Hungria, em 2020, Nite Chimp cresceu para se tornar uma banda ao vivo intensa e vibrante, atualmente composta por guitarra e voz de Csaba baixo de Roberto Montisano e bateria de Gabor Lieber. Com um som que atravessa o garage rock, surf psicadélico e ritmos dançáveis, o projeto conquistou identidade própria, mantendo as raízes DIY e evoluindo para palcos portugueses — inclusive com fortes ligações à Costa da Caparica e Lisboa. Nesta entrevista exclusiva, exploramos as origens do projeto, influências musicais, o novo EP Mold Scare, e o que esperar dos explosivos concertos ao vivo da banda.

Quem são os Nite Chimp e como evoluiu o projeto desde que começou como empreendimento a solo do Csaba em Pécs, Hungria, em 2020?

A banda ao vivo dos Nite Chimp é atualmente composta por mim na guitarra e voz, Roberto Montisano no baixo, e Gabor Lieber na bateria. Continuo a escrever e gravar sozinho, mas para os concertos ao vivo trabalhamos em estreita colaboração, adaptando e rearranjando as músicas, se necessário, para que funcionem bem no formato clássico de trio rock.

Como descreverias o som dos Nite Chimp e quais são as principais influências?

Diria que é um ritmo distorcido — às vezes subtilmente, outras vezes nem tanto — entre o surf, garage e um toque de psicadelismo. Acho que se nota facilmente a influência de ícones do rock garage e indie dos últimos 15 anos, como The Oh Sees, Wavves, Ty Segall, King Gizzard, The White Stripes, entre outros. E, recuando um pouco mais, devo mencionar os Devo e The Gun Club — estes últimos estão por todo o meu álbum anterior, e também marcam presença neste. Penso que o meu ADN musical foi moldado na adolescência, pelos meus ídolos de rock, folk e punk dos anos 60 e 70, enquanto a forma como imagino pôr as ideias em prática é inspirada por esses artistas mais recentes. Além disso, enquanto escrevia as músicas para este EP, fiquei obcecado com Animal Collective e os trabalhos a solo do Panda Bear — deixaram claramente a sua marca neste disco. Ouve o tema Black Mold’s Back.

O groove do Bo Diddley também parece continuar presente — como o incorporas no som garage moderno?

Sim, sem dúvida. Sempre que o volto a ouvir, sou sugado para o universo dele, e pode muito bem sair uma canção daí. Aquele som cheio e denso que ele cria com reverbs e guitarras com tremolo deixa-me completamente fascinado. Ele e toda aquela cena da wall of sound do Phil Spector — e os Beach Boys também, meu deus. Isso influencia a forma como quero abordar a produção: criar música com camadas, à moda antiga, onde tudo parece colado num todo. Não acho que consiga, mas continuo a tentar, meu, continuo mesmo! Por isso sim, o Bo Diddley dá-me vontade de criar grooves alegres. Nem conheço bem toda a discografia dele, mas é daqueles artistas que, quando os ouves, te ativam logo. O Bo agita-me sempre.

O título Mold Scare sugere algo psicológico, até ligeiramente sinistro. Como surgiu essa ideia?

Diria que Black Mold’s Back é o coração deste EP — foi a faixa que deu origem a tudo, por isso o disco acabou por ter o nome derivado dela. Vivi alguns meses na Costa da Caparica durante a época fria, o que acabou por ser uma experiência solitária e pouco entusiasmante — basicamente o oposto do que esperava. A maioria das músicas foi escrita nessa altura. Estava sempre doente, a lidar com o frio e o bolor negro que voltava sempre. Sim, é baseado em factos reais! Depois de o limpar várias vezes e vê-lo sempre a voltar, tive um pequeno colapso — comecei a sentir-me ansioso, por isso percebi que não era só o bolor e pensei: “Amigo, tens problemas!!”

A canção também fala sobre a incapacidade de manter o foco, de estar presente e tranquilo — como até pequenas coisas, como um fungo na parede, te podem desequilibrar por completo. Não foi uma fase divertida — mas ei, ao menos deu-me letras. De certa forma, a música conta a história de uma tentativa falhada de meditação. Acrescentei algum sol ao som, por isso espero que não soe demasiado deprimente.

* fotografia de Sara de Andrade (interior)

Quais são os temas principais deste EP e que tipo de emoções esperas que transmita aos ouvintes?

Em termos temáticos, não é o EP mais animado — mas não estou a tentar deprimir ninguém. Toca em questões como o esgotamento profissional, solidão, apocalipse, défice de atenção, depressão e ansiedade. Mas há uma música positiva: Deep Sea Diver fala de chegada, desenvolvimento pessoal — estar num bom lugar, com a pessoa certa. Está aí. Só espero que seja divertido de ouvir para quem gosta de rockar — mesmo que as letras sejam um bocado retorcidas, ainda se pode dançar para libertar a tensão, sabes?

Está previsto algum single?

“Beach Country” e “Morning Routine” já foram lançadas. Estou a planear lançar um videoclipe para “Black Mold’s Back” em breve.

Como foi o processo de composição e gravação? Voltaste ao espírito DIY dos primeiros tempos ou trabalhaste com produção externa?

Foi basicamente igual ao álbum anterior. Gravei este também numa sala de ensaios na minha terra natal, Pécs, mas a maior parte foi escrita ainda na Caparica. Idealmente, já tenho a estrutura finalizada antes de chegar ao “estúdio”, e depois começo por gravar bateria e acordes de guitarra. Muitos dos arranjos surgem depois — é um processo espontâneo, e as letras vêm no fim.

“Deep Sea Diver” foi especial — só tinha um ritmo de bateria porreiro e nada mais. Gravei-o e deixei-o de lado durante meses, depois escrevi 3 ou 4 versões diferentes e escolhi esta com um ambiente subaquático — pelo menos para mim transmite isso — e gravei-a no meu quarto em Lisboa. Trabalho com o meu próprio equipamento, usando bateria acústica e amplificadores reais quando possível. É tudo básico e barato, mas faz-se milagres na fase de mistura.

Em húngaro temos um ditado: “não se constrói um castelo a partir de merda”, mas os meus amigos músicos Bence Karai e Szabolcs Ereth — responsáveis pela mistura — conseguiram. Construíram-me um castelo requintado a partir da minha merda DIY.

O que podem as pessoas esperar de um concerto dos Nite Chimp?

Uma versão um pouco mais histérica, mais alta e mais rápida das músicas gravadas — quase sem pausas — ideal para quem gosta de mosh. Mas também há variações dinâmicas, momentos mais profundos e de introspeção.

Qual é a tua música preferida para tocar ao vivo — e porquê?

Deste EP, escolho “Beach Country”, porque é simples, com vibes surf, rápida, e com bastantes “whoooo whooo” em falsete. Divertimo-nos muito a tocá-la, e se a interpretarmos bem, pode mesmo transportar-te — tipo para a praia. Também adoro tocar “Ellas Beats”, do álbum anterior. O Bo Diddley volta a possuir-me sempre que a fazemos.

Onde e quando o público poderá ouvir Mold Scare pela primeira vez?

Dia 27 de setembro, na Casa do Comum, no Bairro Alto, em Lisboa.

* fotografia de capa László Sólyom (exterior)