Depois de uma pausa de vários anos, Kathryn Bigelow regressa com um filme que retoma o seu território de eleição — o da crise, do processo decisório no limite e da adrenalina moral. A House of Dynamite, um filme da Netflix, conta a história de um míssil nuclear não identificado prestes a atingir território norte-americano e divide-se em três partes.
Na primeira parte, Rebecca Ferguson conduz a acção no Situation Room da Casa Branca com uma rigorosa contenção. A câmara acompanha-a em planos próximos, testemunhando o desencadear da catástrofe. É aqui que Bigelow define o tom: som ambiente, poucos efeitos exagerados, realismo quase clínico. A sequência é sólida — sentimos ansiedade genuína, o tempo a escorrer, o erro potencial em cada segundo. Esta parte oferece o melhor da promessa do filme: ver a crise do chão, ver a reacção no seio do poder antes de se tornar espectáculo.
Contudo, quando a história muda de foco e avança para os níveis superiores da cadeia de comando, a narrativa parece perder um pouco da sua urgência. Na segunda secção, com Gabriel Basso, vice-conselheiro de Segurança Nacional, o enredo expande-se para um âmbito mais amplo — estratégico, político — e aí o ritmo diminui. Em vez de nos colocar no centro da crise, ficamos um passo atrás, noutra sala, a ver reuniões e interlocuções. A tensão “no acto” dá lugar à explicação “sobre o acto”, e o filme recua ligeiramente.
Na terceira parte, com Idris Elba como presidente, o filme termina com múltiplas mãos a mover-se, decisões finais a serem ponderadas e a inevitabilidade de uma catástrofe que já não se sente tão imediata. A estrutura tripartida é ambiciosa e funciona — é interessante ver o mesmo evento por diferentes olhos —, mas o impacto emocional decresce com cada mudança de perspetiva. A aposta de Bigelow em dividir o filme tem mérito, mas tem o efeito de diluir o “aqui e agora” que a primeira parte prometia.
No elenco, Ferguson destaca-se pela precisão do seu desempenho. Elba oferece gravidade ao papel de presidente, embora a sua secção pareça menos diretamente envolvente. Também Jared Harris, Tracy Letts, Greta Lee e Anthony Ramos completam o elenco com contributos sólidos que ajudam a sustentar o conjunto.
Em termos de estilo, Bigelow mantém-se fiel à sua forma: câmara no ombro, montagem que pressiona o tempo, som que puxa para a urgência. O argumento de Noah Oppenheim não inventa heróis invencíveis, antes mostra pessoas comuns em situação extraordinária. A metade inicial dá-nos esse “terror real” — o de esperar que o mundo acabe e ainda podermos decidir nada.
Quanto ao potencial de nomeações nesta temporada de prémios — embora Bigelow seja uma cineasta premiada e o filme tenha estreia de impacto (Festival de Veneza) — será difícil que A House of Dynamite brilhe tanto como os seus filmes anteriores. A razão reside precisamente na sua natureza mais “clara” e formatada para o entretenimento de massa. Não rejeita a tensão, mas também não a assume com a profundidade reflexiva que filmes de Bigelow como The Hurt Locker ou Zero Dark Thirty tinham. Poderá muito bem surgir em categorias técnicas (som, montagem, cinematografia), mas nas principais parece ter um percurso limitado.










