No seu quinto álbum de estúdio, Dog Eared, Billie Marten abre uma nova janela da sua evolução: mais rica em textura, mais colaborativa, mas mantida na precisão emocional que a caracteriza desde o início. Gravado em Brooklyn com o produtor Philip Weinrobe e uma banda ao vivo, o disco captura uma sonoridade instintiva e intuitiva, com músicos em círculo e sem isolamento sonoro, o que imprime ao registo uma organicidade rara.
A abertura com “Feeling” aproxima-nos imediatamente do mundo onírico e nostálgico de Marten: memórias de infância e padrões visuais que marcaram o seu imaginário, descritas com delicadeza e imagética sensorial. A sonoridade folk expandida, com a guitarra subtil de Núria Graham e percussão orgânica, traça o mapa de um álbum que parece invocado pelo tempo.
O núcleo emocional do disco reside em temas como “Leap Year” e “Goodnight Moon”. No primeiro, Billie confronta a solidão com frases como “Solitude, insufferable”, construindo uma balada que cresce com calma e urgência. O arranjo consegue ser íntimo e expansivo ao mesmo tempo — voz, guitarra acústica e bateria minimalista envolvem-nos num espaço mental quase cinematográfico. Já em “Goodnight Moon”, a colagem subtil de electrónica, saxofone distante e cordas cria uma paisagem onírica onde a culpa e a memória se cruzam em curvas melódicas suaves.
Ao contrário de tentativas de reinvenção radical, Dog Eared surge como um refinamento do som que martelava desde Drop Cherries. Ainda assim, a expansão sonora é evidente: temas como “No Sudden Changes” introduzem uma leve vibração jazzística, enquanto “Clover” adiciona distorção sintética sem quebrar a fluidez do álbum. É o equilíbrio entre familiaridade e novidade que dá força à sua voz quando esta se deixa conduzir pelas texturas instrumentais colaborativas.
O disco fecha com “Swing”, um momento luminoso que mistura bluegrass e storytelling atmosférico — uma celebração delicada da infância e do mundo natural que atravessa todo o álbum. A empatia poética das letras e a performance vocal suave deixam um rasto emocional que faz com que se sinta cada escuta como uma descoberta recente.
Dog Eared é um álbum que abraça memórias, natureza e sensações sem deixar de ser contemporâneo. Billie Marten expande o seu universo folk com consciência estética e maturidade interpretativa, sem renunciar à sua essência vulnerável. Num momento em que tantos artistas buscam a reinvenção formal, ela prova que a verdadeira evolução pode emergir da profundidade emocional e da densidade colaborativa, construindo um trabalho que é ao mesmo tempo confortável e inquietante — e que, como bom livro sublinhado, será revisitado vezes sem conta.