Há histórias que não precisam de muito dramatismo para comover. Boots, nova série da Netflix, é uma delas. Inspirada nas memórias reais de Greg Cope White, segue Cameron Cope (interpretado por Miles Heizer), um adolescente que se alista nos Marines em 1990 — numa América onde a homossexualidade ainda era oficialmente proibida nas Forças Armadas. O silêncio é o seu escudo.
A série parte de uma ideia simples: o que acontece quando alguém tenta encontrar o seu lugar num sistema que o exclui à partida. Em vez de seguir o caminho do melodrama, prefere mostrar o quotidiano disciplinado da recruta — as ordens, as marchas, o corpo levado ao limite. O uniforme, mais do que proteção, é uma máscara.
Boots fala tanto sobre o treino militar como sobre o treino emocional de quem precisa de esconder o que sente. As questões de identidade estão lá, mas quase sempre nas entrelinhas — nos olhares, nos gestos contidos, nas palavras que ficam por dizer. Essa contenção torna a série realista, mas também fria; sentimos empatia, mas raramente calor. Falta-lhe mergulhar mais fundo naquilo que o silêncio faz por dentro.
Onde a série acerta é no equilíbrio entre dureza e humanidade. O realizador não romantiza a violência do treino, mas também não a transforma em espetáculo. As cenas físicas são cruas, e o som dos passos em fila tem mais impacto do que qualquer discurso.
O elenco ajuda a sustentar essa tensão. Miles Heizer dá ao protagonista uma vulnerabilidade discreta, enquanto Vera Farmiga é a mãe que tenta compreender o filho que nunca diz tudo o que pensa. Mas quem rouba a atenção é Max Parker, como o sargento Sullivan — uma figura que começa como o cliché do instrutor cruel e termina a revelar rachaduras de humanidade. No fim, as personagens que pareciam as mais fortes mostram-se frágeis, e as que pareciam frágeis tornam-se as mais resistentes. É essa inversão que dá densidade à história.
Apesar da sua contenção, Boots não passou despercebida. O Pentágono chegou a emitir um comunicado a chamar-lhe “lixo woke”, acusando-a de distorcer a imagem dos Marines — o que, na prática, serviu de melhor publicidade. A série não é panfletária; limita-se a mostrar um retrato humano, com as suas contradições e silêncios.
O final deixa tudo em aberto: Cameron completa o treino e aproxima-se da Guerra do Golfo. É um fecho suspenso, com cheiro a segunda temporada — talvez a oportunidade para Boots explorar não apenas o que é escondido, mas também o que finalmente se pode dizer.










