Há filmes que tentam explicar os artistas; este limita-se a escutá-los. Deliver Me From Nowhere, realizado por Scott Cooper a partir do livro de Warren Zanes, é menos uma biografia e mais um retrato interior de Bruce Springsteen no início dos anos 80 — o momento entre o sucesso de The River e o nascimento de Nebraska. O filme abre com o fim da digressão de 1981, um Springsteen (interpretado por Jeremy Allen White) esgotado, de toalha na cabeça e olhar vazio, incapaz de corresponder àquilo que o mundo espera dele.
A partir daí, Cooper recusa a estrutura clássica da ascensão, queda e redenção. Não há grandes palcos, nem marcos cronológicos. Há apenas um homem, uma casa em Colts Neck, uma máquina de cassetes de quatro pistas e uma mente que começa a descer lentamente ao escuro. A frase que surge a meio do filme resume tudo: “Ahead, into the dark.”
O realizador alterna o presente em tons secos com flashbacks a preto e branco da infância em New Jersey, num contraste que revela a origem dos fantasmas que alimentam as canções. A relação com o pai, Doug (num papel contido e eficaz de Stephen Graham), é o eixo emocional: um homem duro, incapaz de afeto, cuja sombra continua a definir o filho. O trauma e a culpa atravessam o filme com a mesma cadência repetitiva das batidas de Nebraska.
Não há aqui a iconografia habitual das biografias musicais — nem dependências, nem redenções convenientes. Cooper filma o processo criativo como uma espécie de recolhimento espiritual. Jeremy Allen White, longe de qualquer imitação, oferece um Bruce quase em silêncio, tenso, que fala pouco e pensa muito. Quando canta, fá-lo de forma crua e honesta — e, sim, canta mesmo. O resultado é uma interpretação que foge ao maneirismo e à mímica: um homem a tentar encontrar a sua própria voz.
Há ecos de Terrence Malick (através de Badlands, que inspira diretamente a canção homónima) e também de John Cassavetes, pela forma como a câmara observa as fissuras da intimidade. Cooper evita sentimentalismos e mantém o ritmo pausado, permitindo que o vazio e a dúvida ganhem espaço.
Jeremy Strong interpreta Jon Landau, o amigo e gestor que tenta manter Bruce à tona, numa relação marcada pela preocupação e pela incompreensão. Já Odessa Young, como Faye, funciona como breve contraponto afetivo, embora o filme a mantenha na periferia — tal como o próprio Springsteen mantinha tudo o que o distraía da música.
Deliver Me From Nowhere é, acima de tudo, um filme sobre o processo de criação como sobrevivência. Um homem que, depois de conquistar tudo, percebe que o sucesso não é cura. O que resta é a solidão, o som e a tentativa de transformar o caos interior em canções que o mundo possa ouvir.
Ao contrário de tantos biopics recentes que procuram o momento de glória, este prefere ficar na penumbra, onde se ouve o som das máquinas, o ranger da guitarra e o silêncio entre as notas. Cooper não o santifica nem o explica; apenas o acompanha no caminho para dentro.
No fim, Deliver Me From Nowhere é menos um filme sobre Bruce Springsteen e mais sobre o preço de criar algo verdadeiro quando tudo à volta exige espetáculo. Um retrato calmo, austero, e, por isso mesmo, profundamente humano.











