Dan’s Boogie, o 14º álbum dos Destroyer, é um paradoxo típico de Dan Bejar: ao mesmo tempo que consolida a sua maestria lírica e a sua capacidade de se reinventar musicalmente, também expõe alguns dos limites do seu próprio excesso criativo. A riqueza poética, as referências culturais labirínticas e a produção luxuriante de John Collins revelam (ainda que sem intenção) os pontos onde o projeto vacila entre o brilhante e o pretensioso.
Não há como negar que Bejar continua a ser um dos letristas mais fascinantes do rock independente. Em Dan’s Boogie, Bejar desfia imagens surrealistas (“the opera house is a jam space for the desperate and insane“), jogos metalinguísticos (“The answer is blowin’ in the wind / It said, ‘Fuck it, I don’t need it, rules and religion’“) e reflexões existenciais sobre o tempo e a fé. Faixas como “Cataract Time” e “Hydroplaning Off the Edge of the World” são obras-primas de escrita fragmentária, onde cada verso se parece como uma peça de um puzzle filosófico.
A produção de John Collins, como sempre, é impecável. Sinthwaves gelados, saxofones sedutores e guitarras cortantes criam um pano de fundo que oscila entre o jazz sofisticado (“Dan’s Boogie”) e o rock operático (“Sun Meet Snow”). A influência de Kaputt (2011) e Poison Season (2015) é clara, mas há uma redução deliberada aqui, como se Bejar estivesse mais interessado em capturar o fluxo da consciência do que em polir cada canção até ao brilho absoluto.
No entanto, esta mesma liberdade criativa é o que torna Dan’s Boogie um álbum desigual. Enquanto que, por um lado, celebramos uma certa improvisação e um desprendimento, há momentos em que o disco soa menos como uma jam session inspirada e mais como um caderno de esboços nem sempre devidamente lapidados. “Hydroplaning…”, apesar de fascinante, tem trechos que roçam o nonsense (“mistaken for a Houston Rocket and a priest”), e “I Materialize” termina de forma abrupta, como se Bejar tivesse perdido o interesse a meio da gravação.
Bejar revela também um cinismo teatral e uma obsessão por desconstruir géneros “adultos”. Parece mais interessado em permanecer um espectador enigmático do que em explorar a autocrítica e a vulnerabilidade. Dan’s Boogie evita confessionalismo, o que, por um lado, mantém o seu mistério, mas por outro, pode deixar o ouvinte a questionar se há algo para além dos jogos de palavras.
Dan’s Boogie não é um disco fácil. É um álbum que exige paciência, e, quiçá, uma certa devoção à mitologia dos Destroyer, para o apreciar plenamente. Quando funciona (como em “Cataract Time” ou “The Ignoramus of Love”), é de uma beleza arrebatadora. Quando vacila, parece um exercício de estilo que Bejar fez mais para si mesmo do que para o público.
Em resumo, podemos dizer que o álbum se parece como um palácio em ruínas. Está cheio de corredores secretos, quadros pendurados e salões dourados, mas nem todos os quartos valem a mesma atenção. Contudo, para quem está disposto a perder-se neste palácio, a recompensa pode ser grande.