Hayden Pedigo tem sido, ao longo dos últimos anos, uma figura à parte no universo da música instrumental norte-americana. Parte cowboy cósmico, parte provocador pós-irónico, Pedigo despe a persona farsesca para nos oferecer I’ll Be Waving As You Drive Away, o seu disco mais direto, maduro e vulnerável até à data. Se The Happiest Times I Ever Ignored insinuava já um abandono da ironia como escudo artístico, este novo trabalho consagra definitivamente o Pedigo compositor – não apenas o performer excêntrico ou o fingerpicker virtuoso.
Gravado em Ojai, Califórnia, sob a orientação do produtor Scott Hirsch, e concebido entre fantasmas de paisagens vastas e abandonadas num rancho no Wyoming, I’ll Be Waving As You Drive Away apresenta-se como um álbum que se escuta como se se lesse um diário: íntimo, cheio de pequenas dobras emocionais, onde o vazio dos grandes espaços texanos e a solidão dos desertos interiores ganham voz, ou no caso, ganham cordas.
A comparação a John Fahey é inevitável – e justa –, mas Pedigo não se limita a seguir os rastos do mestre da Takoma School. Ele reconfigura essa tradição ao estilo de quem cresceu tanto com Fahey como com Bladee ou os Cocteau Twins. A guitarra é ainda o elemento central, mas nunca esteve tão rodeada de camadas: violinos que choram e depois celebram (“Hermes”), pianos que sussurram (“All the Way Across”), efeitos que sugerem tanto o ambient pastoral como a psicadélia de um western onírico.
Logo no tema de abertura, “Long Pond Lily”, percebemos que algo mudou. O dedilhar ainda é evocativo e preciso, mas a moldura à sua volta é cinematográfica. Há uma ternura implícita, quase infantil, como se Pedigo estivesse a construir uma casa de brinquedo em pleno deserto. “Smoked”, com os seus ecos de mellotron e ambiência densa, poderia estar na banda sonora de um filme de David Lynch a explorar a América esquecida – mas sem qualquer vontade de glamourizar a decadência.
A escolha do título – uma referência a um episódio particularmente sombrio de Uma Casa na Pradaria – é sintomática da tensão constante no disco: entre o kitsch cultural e a tragédia íntima, entre a memória coletiva e a dôr muito pessoal. E, no entanto, nunca soa forçado. A sinceridade com que Pedigo aborda estas ambiguidades transforma o pastiche num gesto honesto. A sua guitarra conta histórias que os filmes já esqueceram e que os livros não quiseram escrever.
Na reta final, “Small Torch” e a faixa-título funcionam como uma despedida sem rancor. O último tema, especialmente, é um dos pontos altos da discografia de Pedigo – o seu equivalente a “Farewell Transmission”, mas sem dramatismo. A guitarra é espaçosa, quase meditativa, convidando o ouvinte a projectar-se nela. Como um aceno de longe, silencioso, resignado, mas cheio de significado.
Com menos de 30 minutos de duração, I’ll Be Waving As You Drive Away é um disco conciso, mas imenso na sua capacidade de sugestão. É uma ode àquilo que se perde sem barulho: o tempo, os lugares, as pessoas. E é, acima de tudo, uma lição de como a música instrumental pode ser narrativa sem ser explícita, emocional sem ser piegas, e inovadora sem perder raízes.
Hayden Pedigo não está apenas a fazer fingerstyle. Está a reescrever, com um pincel de nostalgia digital e melancolia americana, o que pode ser a música folk do século XXI. E talvez este seja o seu verdadeiro feito: construir, nota a nota, um lugar onde o passado é inventado e o futuro é possível.