“Honey Don’t”: um desvio menor na estrada de Ethan Coen

Eduardo Marino

Entre o noir e a comédia romântica, Ethan Coen assina o segundo filme da sua trilogia lésbica com estilo e bons momentos de química entre Margaret Qualley e Aubrey Plaza — mas falta-lhe o brilho que outrora fazia tudo parecer fácil.

Depois de Drive-Away Dolls, Ethan Coen regressa ao volante com “Honey Don’t”, o segundo capítulo da sua trilogia de histórias centradas em mulheres queer em fuga. A promessa era clara: mais liberdade, mais irreverência, mais diversão. Mas, apesar de momentos inspirados e de um par de interpretações magnéticas, o resultado fica aquém do que o nome Coen continua a sugerir.

Desta vez, o protagonismo cabe a Margaret Qualley, no papel de uma detetive privada tão obstinada quanto desastrada, e a Aubrey Plaza, uma agente da polícia que vive entre o dever e o desejo. As duas conhecem-se durante uma investigação aparentemente banal que rapidamente se transforma numa história de corrupção, segredos e tensão sexual. O caso policial funciona como pano de fundo para um romance às escondidas, feito de olhares cúmplices, sarcasmo e tiroteios pontuais — o tipo de mistura de géneros que Coen sempre dominou, mas que aqui soa um pouco menos afiada.

Visualmente, “Honey Don’t” tem o charme habitual: cores saturadas, motéis poeirentos, uma América de margens e sombras. Mas falta-lhe o ritmo e o humor negro que tornaram lendários os filmes que Ethan fez com o irmão, Joel Coen. Sozinho, Ethan parece mais interessado na forma do que na substância — e o argumento, coescrito com a montadora Tricia Cooke, esposa e parceira criativa de longa data, tem bons diálogos mas pouca surpresa.

Ainda assim, há muito para gostar. Margaret Qualley confirma o seu estatuto de estrela em ascensão, com um carisma natural e uma fisicalidade que lembram a energia de Frances McDormand em Fargo. Já Aubrey Plaza, mais contida do que o habitual, oferece uma das performances mais maduras da sua carreira. E Chris Evans, num papel secundário como um líder religioso com demasiados segredos, acrescenta um toque de charme decadente à mistura.

O problema é que o filme nunca chega a encontrar o tom certo: oscila entre a comédia screwball e o noir romântico, sem se comprometer totalmente com nenhum. Há cenas bem conseguidas, mas também longos trechos que se arrastam, como se a história estivesse à espera de um golpe de génio que nunca vem.

Mesmo assim, há um prazer em ver Ethan Coen a experimentar longe da sombra do irmão. “Honey Don’t” pode não ter o engenho narrativo de No Country for Old Men nem a graça absurda de The Big Lebowski, mas tem personalidade, e isso já é meio caminho andado. É um filme menor, sim, mas também um passo necessário na afirmação de uma voz autoral que ainda procura o seu novo equilíbrio.

No fim, o caso que move as personagens resolve-se, mas o que fica é a tensão entre elas — uma espécie de promessa não cumprida que, paradoxalmente, é o que dá mais sabor ao filme. E se o terceiro capítulo desta trilogia vier a aprender com os tropeços de “Honey Don’t”, então talvez Ethan Coen volte a provar que o seu humor e olhar sobre o absurdo humano continuam vivos.

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