“It’s Never Over”: Jeff Buckley e a beleza de um cometa que nunca se apaga

Eduardo Marino

O novo documentário da HBO devolve-nos Jeff Buckley em toda a sua fragilidade e fulgor. Um retrato íntimo, tecido com imagens de arquivo, gravações inéditas e testemunhos de quem o amou de perto.

Há artistas que parecem feitos para durar uma eternidade e há outros que, paradoxalmente, alcançam essa eternidade através da brevidade. Jeff Buckley pertence ao segundo grupo. Com apenas um álbum em vida — o magistral Grace (1994) —, tornou-se um nome incontornável da música dos anos 90, um daqueles raros cantores que parecem cantar diretamente da alma. “It’s Never Over”, documentário agora disponível na HBO, mergulha na sua história curta, intensa e cheia de zonas de sombra, oferecendo-nos um retrato ao mesmo tempo fascinante e doloroso.

O filme aposta numa narrativa construída a partir de memórias e proximidades. Estão lá as mulheres que marcaram a vida de Buckley — amores, cúmplices, amigas, companheiras de palco e de estrada. É a partir das suas vozes que ganhamos acesso a uma dimensão mais humana, menos mitificada, de um músico que muitas vezes foi descrito como enigmático ou inatingível. Esse olhar feminino dá ao documentário uma tonalidade particular: delicada, íntima e quase cúmplice, como se nos deixassem entrar num diário pessoal.

Mas “It’s Never Over” não vive apenas de testemunhos. O material de arquivo é vasto e riquíssimo. Há imagens raras de ensaios, gravações de estúdio nunca antes divulgadas, pequenos momentos caseiros que revelam um Jeff mais descontraído, quase vulnerável. Esses fragmentos ajudam a construir um contraponto ao mito: por trás da voz que parecia capaz de atravessar céus e mares, havia um homem tímido, inseguro e constantemente dividido entre o desejo de se entregar à música e o medo de ser engolido por ela.

O documentário também não escapa ao peso da tragédia. A morte prematura de Buckley, afogado no rio Mississippi em 1997, paira como uma nuvem inevitável sobre cada depoimento. Não há dramatização excessiva, mas o fantasma da ausência está sempre presente, lembrando-nos da dimensão abrupta e cruel da sua partida. O que impressiona é a forma como o filme transforma essa perda num impulso para celebrar a vida: em vez de se deter na fatalidade, prefere sublinhar a intensidade do pouco que nos deixou.

Ao longo de quase duas horas, percebe-se que “It’s Never Over” procura mais do que revisitar a carreira curta de um artista. Quer compreender o impacto emocional que ele provocou e continua a provocar. Há espaço para falar de como Grace se tornou um marco absoluto — um daqueles álbuns que aparece recorrentemente nas listas dos melhores de sempre, e que ainda hoje soa moderno, intemporal, de cortar a respiração.

O resultado é um filme que não procura responder a todas as perguntas — até porque Jeff Buckley nunca foi uma equação que se resolvesse facilmente. É, antes, uma tentativa de iluminar algumas das suas faces, sem apagar o mistério. Para os fãs, é um presente: imagens inéditas, gravações raras, um mergulho na intimidade de um artista que parecia feito de pura transcendência. Para os que chegam agora, pode ser o início de uma paixão duradoura.

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