O Ciclo Como Linguagem
Quando um título como everything is an eternal circle and it repeats and repeats itself surge num EP, sentimos alguma legitimidade para pensar que não passa de uma declaração filosófica pretenciosa. Mas nas mãos dos La Lune, banda de shoegaze experimental de Vancouver, transforma-se numa paisagem sonora que é ao mesmo tempo manifesto existencial e experiência sensorial pura.
Formados em 2022, os La Lune têm vindo a redefinir os limites do género shoegaze através de uma abordagem improvisacional e elementos sonoros inesperados. O quinteto – composto por Ethan Rebalkin, Ben Lock, Olivia-Grace Wells, Taylor Pawesy e Stuart McKillop – bebe de influências que vão de Slint a My Bloody Valentine, passando pelos Microphones, desafiando as normas do género com incorporações de indie, rock dos 90 e alt-rock/pop.
Arquitetura Sonora do Desassossego
O EP arranca com “new swell”, que emerge com guitarras em bruto e ruído branco reconfortante, preparando o terreno para uma viagem sonora imprevisível. “quiet considerations” desenvolve uma conversa instrumental complexa, com vocais quase etéreos dançando sobre guitarras densas, criando um diálogo introspetivo pontuado por momentos de alívio no coro.
“expressionless” equilibra uma tensão cortante através de guitarras quentes e enlameadas, intercaladas com momentos de leveza vocal. Um brevíssimo interlude de 15 segundos, “raaaawr XD”, interrompe abruptamente o fluxo, forçando o ouvinte a despertar e reconfigurar a sua experiência auditiva.
A produção revela uma sofisticação quase arquitetónica. “falling to” destaca-se como um tributo ao rock dos anos 90, com tons nostálgicos e guitarras despidas que se perdem numa melodia repetitiva. O tema “are we over yet” brinca com familiaridade através de um riff que ressurge ciclicamente, fundindo guitarras bombásticas com harmonias angelicais antes de mergulhar num caos dissonante.
O encerramento, “the ache”, constrói uma conclusão intensa, com guitarras em camadas e bateria percussiva que se acumulam até um corte abrupto que deixa o ouvinte suspenso.
Linguagem Emocional Além do Som
O EP funciona como um tratado não-verbal sobre a natureza cíclica da experiência humana. Dor, esperança, melancolia – tudo parece existir não como estados estáticos, mas como ondas que se repetem com variações subtis.
A banda consegue algo notável: transformar o que poderia ser um conceito cerebral e potencialmente enfadonho numa experiência profundamente emocional. A repetição, longe de ser monótona, torna-se um portal para a compreensão de estados psicológicos complexos.
Conclusão
everything is an eternal circle and it repeats and repeats itself não é apenas um EP. É uma declaração artística sobre a natureza cíclica da existência, uma peça de música experimental que transcende géneros e convida à reflexão.
Os La Lune provam ser uma das bandas mais interessantes a emergir da cena experimental do shoegaze, desafiando convenções e criando uma narrativa sonora que é tanto física como filosófica.