Luta Livre, de Luís Varatojo, lança novo álbum. O escárnio e mal-dizer de “CONTRAFAÇÃO”.

Francisco Pereira

Contrafação é o terceiro álbum da Luta Livre: dez canções de escárnio e mal-dizer sobre as aventuras e desventuras de um português em Portugal — entre o fado imperfeito e a balada de redenção.

Vivemos na época da falsificação, da fraude, da adulteração de factos. Procuramos informação e obtemos desinformação; mentiras veiculadas em 30 segundos de vídeo amador ou em exacerbados discursos de grandes empresários e altos responsáveis políticos. Procuramos substância e encontramos artefacto; somos impelidos a consumir depressa, sem pensar, sem questionar, forçados a replicar fórmulas e a seguir modelos numa busca desesperada por validação e sucesso.

Acreditamos em messias, decoramos homilias, na esperança vã de que a fé, não necessariamente a religiosa, nos ajude a encontrar o caminho. Agradecemos à previdência, a Deus, ao juro bonificado, uma vida simples e humilde, dispensada de coisas supérfluas, como a cultura e a cidadania, que só servem, dizem-nos, para atrasar o desenvolvimento da pátria e minar a solidez da família. Quando a maré está favorável embarcamos em romarias e festivais, pomos a colcha à janela e cantamos e dançamos, porque sempre fomos um povo alegre e tristezas, como bem sabemos, não pagam dívidas. Na euforia deste período recreativo em curso (prec) transformamos as nossas vilas e cidades em parques de diversões, damos foral da ocidental praia lusitana à elite internacional, vendemos a alma em casas de pasto, e de fado, entre pratos falsificados de gastronomia local e saudades inventadas para inglês ver.

Já fomos bravos, aventureiros, idealistas, utópicos, temerários, anarquistas, populares – mas não populistas – solidários, ativistas, como daquela vez em que a onda se levantou por Timor. Já fomos fortes no amor, corajosos, audazes e ambiciosos, como quando passámos a fronteira a salto e resistimos, clandestinos, à mais longa ditadura da Europa. E até originais, quando fizemos uma revolução com cravos.

Agora tudo é fakelow costsouvenir, estamos reduzidos à baixa condição de obedecer e servir, à capacidade técnica de imitar. Por vontade própria ou demanda alheia somos, ao mesmo tempo, autores e vítimas da nossa contrafação.

Contrafação é o terceiro álbum da Luta Livre, sucede a Técnicas de Combate (2021) e Defesa Pessoal (2023). São dez canções de escárnio e mal dizer baseadas nas aventuras e desventuras de um português em Portugal. Dez canções simples, de melodia fácil, acompanhadas à guitarra e ao sintetizador, capazes de embalar o corpo e a mente do ouvinte mais incauto. Não são acústicas nem elétricas, não são modernas nem tradicionais, nem grandes nem pequenas, nem eruditas nem populares, são o que são, sem artefactos, livres de hipertensão; há um fado que é imperfeito e uma morna cheia de gratidão, um corridinho sem respeitinho e um malhão, mas também há uma balada de redenção, duas canções de amor e uma oração.

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