Os Militarie Gun regressaram com o segundo álbum, God Save the Gun, apenas dois anos depois da estreia. O que nos parece, logo assim à partida, é que eles decidiram não só reafirmar o que os torna interessantes, ou seja, um hardcore pujante, e uma energia crua e urgente, mas também escavar em terrenos mais vastos, mais ambiciosos e com uma certa vulnerabilidade à flor da pele. O álbum de estreia, Life Under the Gun (2023) serviu para os apresentar com força: riffs rápidos, vozes que gritavam, e aquela batida punk/ hardcore que ainda se agarra à juventude rebelde. Mas agora, com God Save the Gun, há a sensação de que a banda passou para outro nível.
Os cinco rapazes californianos conseguem manter o núcleo do seu som mas também, em simultâneo, expandir o espectro sonoro: há texturas novas, há melodias que ficam, há arranjos que respiram mais (sem que a besta interior se dissipe). Há qualquer coisa no som da banda que evoluiu para algo mais afiado e mais refinado, no fundo, numa versão da banda que soa mais plena.
O líder dos Gun, Ian Shelton, foi o centro deste impulso evolutivo. Numa entrevista de apresentação do álbum, Shelton não escondeu que se queria dirigir “às pessoas que estão fodidas”, com uma honestidade brutal. E essa honestidade manifesta-se não só nas letras (temas como dependência, auto-destruição ou culpa) mas também em como a banda alarga o seu som para acomodar esta carga emocional. Por exemplo, ouvimos em vários casos, sintetizadores ou variações de percussão, no fundo, momentos de calma antes da tempestade, em que depois fazem contribuir para que God Save the Gun deixe de ser apenas um grito e passe a ser também uma narrativa, quase um filme de som.
Este trabalho mais cuidado e pensado acaba por retirar uma certa crueza e espontaneidade que fez da estreia uma afirmação tão directa. Mas os momentos mais eficazes deste álbum elevam a banda e trazem lampejos de esperança no meio da dor que provam o ponto central do disco: a catarse.
Os Militarie Gun surgiram no seio da cena hardcore/ punk, com raízes claras na agressividade e no DIY, e Life Under the Gun consolidou-os como uma banda que podia misturar pancada e melodia como forma de identidade. Com God Save the Gun há um passo de maturidade, algo também natural na evolução normal de uma banda. Eles mostram-se capazes de transformar a frustração e caos interno em algo que, ironicamente, soa enorme e que conserva uma fisicalidade e sinceridade que raramente se sente em discos que querem “grande” estrondo.
Em suma, estamos bem. Mais uma vez, podemos dizer que o rock nunca morre. God Save the Gun é um álbum que confirma que os Militarie Gun não estão apenas a passear e estão a construir algo maior: um som que acolhe o ruído e a melodia, a agressão e a vulnerabilidade e ainda o devastador e o edificante.










