Cutthroat, o quarto álbum de estúdio dos Shame, chega cerca de dois anos depois de Food for Worms (2023) e assume-se como um registo explosivo à altura da sua reputação ao vivo. Produzido por John Congleton em Brighton, o disco pretende capturar a intensidade crua dos concertos diretos e confrontacionais da banda, mas agora canalizada para uma abordagem mais eletrónica e diversificada do que nunca.
O álbum tem um pulso narrativo muito próprio: enfrenta temas como a hipocrisia, a covardia, o desejo e a corrupção com humor ácido e arrojo. Há uma ironia mordaz constante nas letras — um olhar impiedoso sobre os “covardes, hipócritas e canalhas” que habitam o nosso tempo — sempre servido com aquele sarcasmo característico que faz parte da alma da banda. E, sim, não é “coitadismo”; é mais um rugido “fuck you” espontâneo e urgente por parte de quem foi empurrado para o canto.
No plano musical, Cutthroat é um passeio sonoro alucinante: guitarras afiadas, ritmos de discoteca punk, sintetizadores e loops eletrónicos que surgem com impacto nos momentos certos. A faixa-título já dá o tom — é visceral, energética, com riff a laser e um refrão autotunado que nos surpreende e conquista. E, embora existam pontos mais contemplativos, essa energia ímpar raramente cede espaço à monotonia.
A receção crítica foi maioritariamente positiva — muitos destacam a ousadia e versatilidade da banda, elogiando a capacidade de evoluir sem perder identidade. Para alguns é, sem dúvida, o álbum mais intrincado e multifacetado dos Shame; há até quem considere ser um dos melhores que gravaram até hoje. Claro que nem todos se renderam: existiram críticas ao facto de, por vezes, a intensidade soar dispersa — mas mesmo aí, ninguém negou o atrevimento da proposta.
No fim de contas, Cutthroat é um registo vibrante de quem vive o som sem filtros. É um disco que arrisca, que nos sacode, que nos faz rir e pensar, e acima de tudo, que reafirma os Shame como uma força que recusa amarras. É tão irreverente quanto necessário — e chega com o combustível todo para incendiar loops e palcos por onde passar.