“Together”: uma fusão física que arrepia

Eduardo Marino

Alison Brie e Dave Franco, casal na vida real, levam a codependência ao extremo num body horror intimista. Sob a direção de Michael Shanks, o filme bebe de David Cronenberg e dialoga com o contemporâneo "The Substance".

Num registo cru e pegajoso, “Together” começa como um drama de casal que tenta um recomeço e rapidamente se transforma numa parábola sobre simbiose emocional tornada carne: corpos que se aproximam até perderem fronteiras, desejo e medo misturados num mesmo plano, a intimidade convertida em cárcere.

Michael Shanks filma a metamorfose com paciência clínica — texturas de pele, feridas, aderências — numa linguagem que evoca a tradição de David Cronenberg (pensa em “The Fly” ou nas fissuras identitárias de “Dead Ringers”), mas com um olhar muito próprio para o quotidiano: cozinhas, casas de banho, lençóis colados à pele como segunda epiderme.

A ligação com “The Substance” surge na obsessão pelo corpo como campo de batalha — identidade, desejo, poder —, só que aqui sem a sátira glam; é claustrofóbico, agreste e francamente inquietante.

Alison Brie e Dave Franco trazem uma química que ajuda a vender o impossível: quando o filme pede que a metáfora se torne literal, eles sustentam a verdade emocional da experiência, tornando crível que o amor, mal calibrado, possa devorar a individualidade de cada um.

Não há piscadelas cómicas; o filme recusa o alívio e prefere apertar o torniquete, cena após cena, até nos deixar com a pergunta que dói: quanto de nós estamos dispostos a sacrificar para “ficar juntos”?

“Together” é, no fim, um conto moral feito de carne e angústia — menos espetáculo, mais pesadelo íntimo — que confirma que o body horror continua a ser um território fértil do cinema atual.

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