O documentário da Netflix Trainwreck: The Astroworld Tragedy é um retrato angustiante e chocante de como dez pessoas morreram, esmagadas numa multidão descontrolada, durante um festival de música em Houston, em 2021. Com realização de Yemi Bamiro, este é o primeiro episódio de uma série documental sobre desastres em grandes eventos, e mergulha com coragem nas causas, consequências e responsabilidades do colapso organizativo que transformou uma celebração num pesadelo.
Astroworld não era apenas mais um festival. Era o sonho tornado realidade de Travis Scott, que homenageava o parque temático da sua infância com um evento de grandes dimensões e apelo massivo junto de uma geração jovem sedenta de experiências ao vivo, após a travagem forçada da pandemia. A edição de 2021 prometia ser a maior de sempre, alargando-se de um para dois dias e juntando dezenas de milhares de fãs. Mas aquilo que deveria ser uma catarse coletiva transformou-se numa armadilha fatal.
O filme não se limita a enumerar factos: observa com atenção o funcionamento da máquina da indústria dos espectáculos ao vivo, especialmente o papel da gigante Live Nation, organizadora do evento, cujas práticas são colocadas em causa ao longo do documentário. Imagens de fãs a derrubar barreiras em 2019 foram, ironicamente, usadas para promover a edição seguinte — um marketing baseado no caos. A fotógrafa Kirby Gladstein afirma que foi instruída a capturar precisamente essa desordem como parte da estética do festival. Hoje, ela teme represálias por falar abertamente. A ausência de representantes da Live Nation no documentário é notória; as suas declarações são apresentadas apenas em texto, como um contraponto institucional às vozes reais de sobreviventes e trabalhadores no terreno.
Os relatos dos seguranças contratados à última hora, de um paramédico e de um especialista em gestão de multidõesajudam a construir o retrato de uma tragédia anunciada: palco principal vazio o dia inteiro, calor extremo, falta de vias de escape e um desenho logístico que canalizou milhares de pessoas para o mesmo ponto no momento da actuação de Scott. Os vídeos captados por telemóveis no interior da multidão são devastadores. Vêem-se pessoas a serem esmagadas, sufocadas, enquanto a música continua. Scott, do palco, não interrompe. Diz mais tarde que não compreendeu a gravidade da situação — algo que muitos sobreviventes consideram inaceitável.
A resposta emocional à tragédia também é explorada. Familiares descrevem o desespero de procurar entes queridos nos hospitais e centros de reunificação, só para receberem a notícia da morte. Scott, desde então, fez poucas declarações públicas, e a sua tentativa de resposta artística surge num verso da canção “My Eyes”, em Utopia, onde parece colocar-se como herói incompreendido. A tentativa soa a pouco, perante a dimensão da dor partilhada por tantos.
O documentário termina com perguntas perturbadoras: porque é que ninguém parou o concerto? Porque é que nada foi feito quando já se sabia do potencial para o desastre? Irá voltar a acontecer? Infelizmente, essas perguntas ficam no ar.