Sparks – MAD! (2025)

Francisco Pereira

Crítica ao álbum MAD! dos Sparks. Um regresso criativo, irreverente e surpreendente do icónico duo pop com mais de 50 anos de carreira.

Irreverência, humor e reinvenção em plena forma

Poucas bandas sobrevivem ao tempo com a irreverência intacta. Menos ainda são aquelas que conseguem reinventar-se de forma genuína após sete décadas de carreira. Com MAD!, o 28.º álbum de estúdio dos Sparks, Ron e Russell Mael voltam a mostrar que pertencem a esse grupo raríssimo de artistas que recusam acomodar-se à nostalgia e continuam, obstinadamente, a olhar em frente.

Em linha com a atitude que sempre definiu o duo californiano, MAD! não se limita a ser uma coletânea de excentricidades estilizadas; é um manifesto de vitalidade criativa. Desde o tema de abertura, “Do Things My Own Way”, os Sparks reafirmam o seu compromisso com a independência estética — uma faixa que pisca o olho ao absurdo, ao passado sinfónico (ecoando Gratuitous Sax & Senseless Violins) e ao presente, sem perder o pé.

O disco é notável pela sua diversidade estilística: há momentos de pop barroco e teatral (como em “A Little Bit of Light Banter”), electro-pop com inflexões oitocentistas (no caso de “Drowned in a Sea of Tears”), homenagens tongue-in-cheek a Los Angeles (em “I-405 Rules”), e até um flerte inesperado com o hard rock (“Hit Me Baby”), tudo pontuado pela voz inconfundível de Russell e pelos arranjos meticulosamente desconcertantes de Ron.

A lírica mantém-se como um dos maiores trunfos da dupla: observadora, autoirónica, muitas vezes surreal. Faixas como “JanSport Backpack” e “Running Up a Tab at the Hotel for the Fab” revelam uma atenção obsessiva ao detalhe e uma capacidade quase cinematográfica de construir personagens e cenários num par de versos.

O álbum, lançado agora sob a chancela da Transgressive Records, representa uma nova fase de autonomia artística — é autossuficiente, conceptual e profundamente fiel ao espírito dos Mael. Apesar de não atingir os picos emocionais de Annette, nem o espírito colaborativo surpreendente de FFS, MAD! resplandece precisamente pela forma como celebra a individualidade dos Sparks, com um equilíbrio subtil entre auto-paródia e erudição pop.

Há também um sentido de dramatismo bem doseado — o encerramento com “Lord Have Mercy” é digno de um grande final de palco, onde a teatralidade se funde com a densidade sónica, sintetizando tudo aquilo que MAD! representa: não apenas um álbum, mas uma afirmação da persistência artística em idade madura.

Se há algo de notável em MAD!, é a sua capacidade de parecer simultaneamente um novo capítulo e um espelho caleidoscópico da carreira dos Sparks. Num panorama musical frequentemente dominado pelo algoritmo e pela previsibilidade, os irmãos Mael continuam a ser gloriosamente imprevisíveis — e absolutamente indispensáveis.

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