Desde a sua estreia na Netflix a 13 de março, Adolescence, drama de quatro episódios sobre um rapaz de 13 anos suspeito de assassinar uma colega após possivelmente ter sido exposto a ideias misóginas online tornou-se um fenómeno global. Foi a série mais vista na plataforma em dezenas de países, e no Reino Unido provocou discussões acesas sobre a influência dos telemóveis na vida das crianças.
Escrita por Jack Thorne em parceria com o ator Stephen Graham, Adolescence trouxe à tona questões urgentes sobre o acesso dos jovens a conteúdos prejudiciais. No parlamento britânico, o primeiro-ministro Keir Starmer afirmou que estava a ver a série com os filhos e sublinhou a necessidade de tomar medidas contra as “consequências fatais” do consumo de conteúdo nocivo online. A discussão sobre a proibição de smartphones nas escolas ganhou novo fôlego, com várias campanhas a registarem um aumento de apoio.
O impacto da série reflete uma crescente preocupação global sobre os efeitos da tecnologia na juventude. Países como a Austrália já implementaram restrições ao acesso de menores às redes sociais, enquanto a Dinamarca e a França baniram smartphones nas escolas.
A história de Adolescence centra-se numa família comum, o que a torna mais próxima da realidade de muitos espetadores. A inspiração para o enredo surgiu quando Graham contactou Thorne para falar sobre uma série de crimes em que rapazes assassinaram raparigas. No processo de criação da série, os autores perceberam que a subcultura dos “incels” poderia ser um elemento crucial na narrativa.
Incels é a abreviatura de “involuntary celibates”, que traduzido significa “celibatário involuntário”. O nome é usado por adolescentes e homens inseguros, tímidos, com dificuldade de socialização, que se dizem ser incapazes de ter um relacionamento com uma mulher. O termo tornou-se popular entre os jovens que passam grande parte das suas vidas online, que frequentemente culpam as mulheres pela sua falta de sucesso na vida afetiva e defendem que, por isso, devem ser punidas.
Para compreender melhor esse universo, Thorne mergulhou durante seis meses em conteúdo misógino online.
Cada episódio de Adolescence é um prodígio técnico, sendo realizado num único take contínuo, sem cortes visíveis. Esta escolha estilística aumenta a sensação de imersão e tensão, deixando o espectador totalmente preso à narrativa. Os atores ensaiaram durante semanas para garantir que cada cena fluía com naturalidade, e o resultado é uma experiência televisiva única, onde cada segundo conta e a intensidade nunca esmorece.
A cena mais discutida da série ocorre no terceiro episódio, quando uma psicóloga, interpretado por Erin Doherty, confronta o protagonista, Jamie Miller (Owen Cooper, um estreante de quem já se fala poder ser o mais jovem ator a vir a receber um Emmy, pela sua interpretação arrepiante), sobre as suas visões sobre as mulheres.
O momento em que Jamie passa de um miúdo inocente para um adolescente cheio de raiva impressionou e assustou muitos pais. O elenco passou semanas a ensaiar essa cena, gravando onze takes, até o realizador escolher o último.
O realismo e a ambiguidade do argumento são parte do que torna Adolescence tão poderoso. Embora a série destaque o papel da tecnologia na formação de ideologias perigosas, não culpa apenas os telemóveis. Também retrata o abandono das escolas, professores sobrecarregados, forças policiais desinformadas e a incapacidade da sociedade para identificar sinais de perigo.
A história recente da televisão britânica está cheia de dramas que influenciaram o debate público. Nos anos 60, Cathy Come Home, de Ken Loach, trouxe visibilidade à crise dos sem-abrigo. Em 2024, Mr. Bates vs. the Post Office levou o governo de Rishi Sunak a aprovar uma lei para exonerar centenas de trabalhadores postais injustamente condenados.
Talvez Adolescence seja o próximo drama a provocar uma mudança real. Os seus criadores esperam que a série pressione os legisladores a proibir o acesso de menores de 16 anos às redes sociais.