Neste Bono: Stories of Surrender, disponível na Apple TV+, baseado no seu livro de memórias e gravado ao vivo, o vocalista dos U2 troca os estádios pelas tábuas do palco e os riffs épicos por versões despojadas, quase nuas, das canções que marcaram várias gerações. A realização de Andrew Dominik é a preto e branco e faz o que deve: não distrai. Aqui, o foco é o homem, a voz, e três cadeiras — uma delas ocupada, nas entrelinhas, pelo fantasma do pai, Bob Hewson.
Sem Adam, The Edge ou Larry em palco, Bono assume a performance a solo com um trio de músicos discretos — harpa, violoncelo e teclas. Há humor, autoironia e até alguma contenção, o que é dizer muito vindo de alguém com o currículo megalómano que ele carrega.
A viagem é emocional e bem encenada. Do trauma da morte da mãe aos 14 anos à relação complicada com o pai, que nunca mais mencionou o nome dela, passando pela infância em Dublin e os primeiros passos dos U2. Bono evoca tudo isso com algum estoicismo e uma generosa pitada de teatralidade.
Apesar de o foco estar na família, há espaço para referências aos companheiros de banda e à eterna Ali, com quem Bono casou aos 21 anos — e que, diz ele, teve de lidar com a constante luta entre a ambição artística e a vida familiar.
Musicalmente, o espectáculo funciona como um unplugged com classe. Canções como “I Will Follow“, “Where the Streets Have No Name” ou “Vertigo” ganham uma nova intimidade, com arranjos delicados e uma voz que, longe de estar em declínio, soa mais humana do que nunca. Mesmo os cínicos confessarão: dá arrepios!
Mais do que uma biografia em palco, Bono: Stories of Surrender é um acto de reconciliação. Com o passado, com os pais, com o próprio ego. Bono tenta explicar-se, redimir-se e, de certo modo, justificar o pedestal onde se colocou. E fá-lo com talento, carisma e uma boa dose de coragem.
Mesmo que meio mundo tenha já deixado os U2 no passado, esta hora e meia de confissões com banda sonora é algo a não perder – uma oportunidade para ver, ouvir e, acima de tudo, sentir.