Com Hex Key, o terceiro álbum da carreira, os Mamalarky continuam a desafiar qualquer ideia pré-concebida sobre o que deve ser uma banda de indie psicadélico em pleno século XXI. Fiel à sua abordagem irreverente e descomprometida, o quarteto sediado em Los Angeles oferece aqui um trabalho tão variado e imprevisível como coerente no seu compromisso com a autenticidade.
Logo em “Broken Bones”, faixa de abertura, percebe-se o tipo de tensão que atravessa o disco: o instrumental é firme e cheio de groove, mas as letras denunciam fragilidade emocional e dúvidas profundas. Esta justaposição – entre a força dos arranjos e a vulnerabilidade das palavras – revela-se um dos principais motores do álbum. E não é uma tensão que se resolve facilmente: Hex Key mergulha no desconforto existencial sem pressa de encontrar soluções.
Como no anterior Pocket Fantasy, o grupo mostra-se deliberadamente imprevisível. “Anhedonia” evoca o grunge dos anos 90, mas envolve-o numa névoa de dream-pop; “The Quiet”, por sua vez, é tudo menos calma – entre sintetizadores estridentes e um stylophone que soa como um sapo futurista, a canção parece saída de um sonho estranho. Cada faixa é um pequeno universo à parte, com as suas próprias regras e lógicas internas. E, no entanto, há uma coerência emocional que sustenta o álbum como um todo.

A voz de Livvy Bennett serve de fio condutor entre estas viagens sónicas. Etérea num momento, visceral no seguinte, a sua entrega vocal é marcada por uma honestidade crua. Em “#1 Best of All Time”, descreve-se como uma maratonista que chegou em último, mas “sentiu-se tão rápida como as outras” – uma metáfora perfeita para o espírito de Hex Key: a persistência, mesmo quando tudo à volta parece sugerir o contrário.
Esse espírito combativo estende-se também ao processo de gravação do álbum. Produzido em casa, entre os sons de carrinhas de gelados e gatos vadios, Hex Key é um trabalho artesanal, mas nada tem de descuidado. Cada detalhe foi meticulosamente afinado por uma banda que trabalha em profunda sintonia criativa, sem produtores ou engenheiros externos a diluir a visão artística. É uma obra feita com exigência e entrega total – até a bateria de “#1 Best of All Time” foi gravada durante um surto de hera venenosa!
O mais notável em Hex Key talvez seja a sua capacidade de tornar o estranho acessível. Mesmo nos momentos mais experimentais, há sempre uma melodia que agarra, um refrão que fica no ouvido, ou um groove que convida à entrega. Não é um disco feito para o grande público – e a banda sabe disso. Mas quem se permitir escutar com atenção será recompensado com uma experiência rica, emotiva e singular.
Hex Key não procura agradar a todos, e ainda bem, é assim mesmo que gostamos. É um álbum que abraça a dúvida, a raiva, a ternura e a excentricidade. E transforma tudo isso em arte vibrante, cheia de cor e intensidade. Os Mamalarky continuam a recusar-se a ser domesticados – e, precisamente por isso, fazem uma música que merece ser ouvida com todos os sentidos bem despertos.