Em Sinners, Ryan Coogler, que se junta ao seu ator de sempre, Michael B. Jordan, aqui no dulpo papel, não se limita a fazer mais um filme de vampiros. Ele arrisca e transforma o género numa história sobre origem: a origem dos blues, da resistência cultural e da identidade negra americana. E é talvez essa aposta corajosa que explica o sucesso do filme nos Estados Unidos, onde já ultrapassou os 120 milhões de dólares em apenas dez dias.
A música não é só ambiente em Sinners: é espinha dorsal. Coogler e a sua equipa mergulharam fundo no som dos campos de algodão, das igrejas improvisadas e dos bares clandestinos do Sul dos EUA, para criar uma banda sonora autêntica. Há temas originais que soam como lamentos antigos, compostos especialmente para o filme, e há homenagens claras a figuras reais como Robert Johnson e Lead Belly — os verdadeiros “pais” do blues.
Um dos momentos mais falados é uma cena em que um dos personagens pega numa guitarra e improvisa um lamento que mistura dor física e espiritual. Gravada ao vivo, esta sequência tornou-se já uma das imagens de marca do filme, com críticas a apontarem-na como “um dos grandes momentos musicais da história recente do cinema”. Com cenas intensas envolvendo os protagonistas e as suas amantes, interpretadas por Wunmi Mosaku e Hailee Steinfeld, o filme também tem sido apelidado por alguns meios de comunicação como o “filme de terror mais sensual” do ano.
Ambientado no sul dos Estados Unidos durante a era Jim Crow, Sinners utiliza a metáfora dos vampiros para explorar temas de apropriação cultural e racismo sistémico. Os vilões do filme, vampiros liderados pelo ator irlandês Jack O’Connell, são interpretados como símbolos de exploração cultural e institucional.
Tecnicamente, Sinners também não brinca em serviço. Um dos grandes momentos do filme é a sequência em que Michael B. Jordan contracena consigo próprio em cenas de uma tensão brutal. Sem recorrer a truques óbvios, Coogler e a sua equipa de efeitos especiais entregam uma ilusão perfeita: dois irmãos em conflito, filmados com a precisão de quem sabe usar a tecnologia como ferramenta narrativa, e não como espetáculo vazio.
Visualmente, o filme aposta numa fotografia densa, quase táctil. O calor dos campos, a humidade dos bares apinhados, a luz baça dos candeeiros a óleo — tudo contribui para um ambiente onde se sente o peso da história.
A colaboração entre Coogler e Jordan, já firmada em Creed e Black Panther, atinge aqui o seu ponto mais ambicioso. Apesar de fora dos EUA o impacto ser ainda mais discreto, Sinners parece ter potencial para crescer com o tempo.