“Sinners” conquista à dentada, com blues à mistura

Eduardo Marino

Sinners chegou sem grandes expectativas, mas depressa se tornou no filme de que toda a gente fala. Vampiros, música e um realizador em estado de graça fazem deste drama sobrenatural um fenómeno improvável.

Em Sinners, Ryan Coogler, que se junta ao seu ator de sempre, Michael B. Jordan, aqui no dulpo papel, não se limita a fazer mais um filme de vampiros. Ele arrisca e transforma o género numa história sobre origem: a origem dos blues, da resistência cultural e da identidade negra americana. E é talvez essa aposta corajosa que explica o sucesso do filme nos Estados Unidos, onde já ultrapassou os 120 milhões de dólares em apenas dez dias.

A música não é só ambiente em Sinners: é espinha dorsal. Coogler e a sua equipa mergulharam fundo no som dos campos de algodão, das igrejas improvisadas e dos bares clandestinos do Sul dos EUA, para criar uma banda sonora autêntica. Há temas originais que soam como lamentos antigos, compostos especialmente para o filme, e há homenagens claras a figuras reais como Robert Johnson e Lead Belly — os verdadeiros “pais” do blues.

Um dos momentos mais falados é uma cena em que um dos personagens pega numa guitarra e improvisa um lamento que mistura dor física e espiritual. Gravada ao vivo, esta sequência tornou-se já uma das imagens de marca do filme, com críticas a apontarem-na como “um dos grandes momentos musicais da história recente do cinema”. Com cenas intensas envolvendo os protagonistas e as suas amantes, interpretadas por Wunmi Mosaku e Hailee Steinfeld, o filme também tem sido apelidado por alguns meios de comunicação como o “filme de terror mais sensual” do ano.

Ambientado no sul dos Estados Unidos durante a era Jim Crow, Sinners utiliza a metáfora dos vampiros para explorar temas de apropriação cultural e racismo sistémico. Os vilões do filme, vampiros liderados pelo ator irlandês Jack O’Connell, são interpretados como símbolos de exploração cultural e institucional.

Tecnicamente, Sinners também não brinca em serviço. Um dos grandes momentos do filme é a sequência em que Michael B. Jordan contracena consigo próprio em cenas de uma tensão brutal. Sem recorrer a truques óbvios, Coogler e a sua equipa de efeitos especiais entregam uma ilusão perfeita: dois irmãos em conflito, filmados com a precisão de quem sabe usar a tecnologia como ferramenta narrativa, e não como espetáculo vazio.

Visualmente, o filme aposta numa fotografia densa, quase táctil. O calor dos campos, a humidade dos bares apinhados, a luz baça dos candeeiros a óleo — tudo contribui para um ambiente onde se sente o peso da história.

A colaboração entre Coogler e Jordan, já firmada em Creed e Black Panther, atinge aqui o seu ponto mais ambicioso. Apesar de fora dos EUA o impacto ser ainda mais discreto, Sinners parece ter potencial para crescer com o tempo.

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