Sly Stone (1943–2025): Morre o génio da soul psicadélica e líder dos Sly and the Family Stone, aos 82 anos

Francisco Pereira

Sly Stone morreu aos 82 anos, vítima de DPOC. O criador dos Sly and the Family Stone deixa um legado revolucionário na música soul, funk e psicadélica.

Sly Stone, cantor, compositor, produtor e revolucionário da música popular norte-americana, morreu esta segunda-feira, 9 de junho, aos 82 anos, vítima de uma prolongada luta contra a DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica) e outros problemas de saúde. A notícia foi confirmada pela família, que afirmou que o músico faleceu em paz, rodeado pelos seus três filhos, o seu amigo mais próximo e a sua família alargada. “Enquanto lamentamos a sua ausência, consolamo-nos por saber que o seu extraordinário legado musical continuará a ressoar e a inspirar as gerações vindouras”, lê-se no comunicado.

Nascido Sylvester Stewart a 15 de março de 1943, no Texas, cresceu em Vallejo, Califórnia, onde começou a tocar com os irmãos desde criança. Foi DJ da KSOL, estação de rádio soul de São Francisco, antes de se afirmar como um prodígio multi-instrumentista e produtor da Autumn Records, onde colaborou com nomes como Grace Slick e Marvin Gaye. Em 1966, fundou os Sly and the Family Stone, banda multirracial e mista que desafiou as barreiras raciais e de género da época, tanto no palco como fora dele.

Com uma sonoridade que fundia funk, soul, rock psicadélico e gospel, os Sly and the Family Stone tornaram-se um dos nomes mais influentes do final da década de 60. Temas como “Dance to the Music” (1968), “Everyday People” (1969) e “I Want to Take You Higher” catapultaram a banda para o estrelato, culminando numa atuação lendária no festival de Woodstock, em agosto de 1969, às três da manhã, e que ainda hoje é uma atuação considerada como um dos momentos mais icónicos do evento.

O álbum Stand! (1969) afirmava uma mensagem de união e justiça racial que viria a ser intensificada em There’s a Riot Goin’ On (1971), um disco sombrio, gravado em grande parte por Stone a solo, com overdubs e máquinas de ritmos, que espelhava o desânimo social e pessoal da época. Considerado um dos álbuns mais influentes de sempre, Riot inspirou artistas tão diversos como Miles Davis, Herbie Hancock, Prince, Iggy Pop e inúmeros músicos de hip-hop, com o seu som denso, introspectivo e radicalmente inovador.

Apesar do impacto artístico, os problemas pessoais começaram a sufocar a sua carreira. O consumo excessivo de drogas, o afastamento progressivo dos membros da banda e os conflitos internos tornaram os Sly and the Family Stone caóticos ao vivo e instáveis nos bastidores. Ainda assim, Stone lançou Fresh em 1973, um disco mais leve, mas ainda marcado pela experimentação rítmica — Brian Eno diria mais tarde que foi aí que “o bumbo e o baixo se tornaram os instrumentos principais da mistura”.

Após o fim do grupo, em 1975, Stone tentou relançar a carreira com discos a solo, como High on You (1975) e Ain’t But the One Way (1982), mas sem o mesmo sucesso. Seguiram-se anos difíceis: detenções por posse de droga, problemas legais, reclusão e episódios de sem-abrigo. Em 2011, foi revelado que vivia numa carrinha em Los Angeles, depois de anos a lutar por direitos de autor que alegava terem-lhe sido negados.

Apesar disso, houve lampejos de regresso: participou nos Grammys de 2006, foi homenageado em 1993 com a introdução da sua banda no Rock and Roll Hall of Fame, e em 2023 lançou as suas memórias, Thank You (Falettinme Be Mice Elf Agin), pela chancela editorial de Ahmir “Questlove” Thompson, dos The Roots. Questlove, aliás, viria a realizar dois documentários sobre Stone: Summer of Soul (2021), onde o músico surge em filmagens raras, e Sly Lives (2025), um retrato íntimo do génio e do peso do seu legado.

Nos últimos anos de vida, Stone terá conseguido finalmente manter-se longe das drogas e aproximar-se de uma certa serenidade. Segundo a família, encontrava-se a trabalhar num argumento sobre a sua própria história, que poderá agora ver a luz do dia a título póstumo.

A importância de Sly Stone no panorama musical é incomensurável. Criou uma nova linguagem sonora e visual, abriu portas para o funk moderno e para a fusão de géneros, e fê-lo com uma ousadia estética e política raramente vista. A sua influência atravessa décadas e estilos: de Prince a D’Angelo, dos Red Hot Chili Peppers a Kendrick Lamar. Como disse George Clinton: “Sly era como ver uma versão negra dos Beatles. Ele era as ruas, a igreja e a Motown numa só pessoa.”

Num tempo em que a música parece cada vez mais segmentada, o apelo universal de temas como “Everyday People” — com o seu refrão eterno “I am everyday people” — recorda-nos que Sly Stone procurou sempre algo maior do que o sucesso: a criação de um espaço comum, onde a diferença fosse celebração e o ritmo, libertação.

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