Com Before Elvis: The African American Musicians Who Made the King, o jornalista e historiador Preston Lauterbach dá um passo essencial no restabelecimento da justiça histórica no panorama da música popular americana. Numa época em que o debate sobre apropriação cultural e invisibilidade negra nas indústrias criativas ganha nova força, este livro é mais do que oportuno — é indispensável.
O título do livro é claro: antes de Elvis Presley, já existia o som que viria a definir uma geração. E esse som tinha origem, nome e pele — a maioria deles esquecida ou ignorada durante décadas. Com recurso a investigação meticulosa e entrevistas inéditas, Lauterbach traça os contornos do rock ‘n’ roll antes de o termo sequer existir no vocabulário popular, focando-se em quatro figuras fundamentais: Little Junior Parker, Big Mama Thornton, Arthur “Big Boy” Crudup, e o pouco conhecido, mas genial, Calvin Newborn, guitarrista excêntrico da Beale Street.
Estes nomes, que para muitos ainda soam marginais na narrativa dominante da música americana, ganham aqui o lugar central que sempre mereceram. Lauterbach não os apresenta como notas de rodapé na história de Elvis, mas como os seus verdadeiros antecessores — os criadores do som que o mundo viria a associar ao “Rei”.
Um dos grandes méritos do livro é a forma como articula as injustiças sistémicas que permitiram a ascensão meteórica de Elvis Presley em detrimento dos artistas negros que o influenciaram. Lauterbach desmonta, com precisão, os mecanismos de roubo de direitos de autor, segregação nos media, e exclusão deliberada do mercado mainstream, que condenaram estes músicos à obscuridade e à pobreza, mesmo enquanto os seus riffs e melodias dominavam as ondas da rádio — muitas vezes na voz de intérpretes brancos.
A narrativa não acusa Elvis diretamente de má-fé — mas também não o absolve de fazer parte de um sistema que lhe conferiu estatuto, fortuna e glória às custas da criatividade e do trabalho de outros. É, portanto, um livro que desafia a nostalgia romântica em torno do “Rei do Rock” e nos obriga a pensar sobre quem teve realmente o trono usurpado.
Mais do que simplesmente recuperar nomes, Before Elvis dá corpo, voz e contexto social a cada um destes artistas. Ao explorar as suas vidas em detalhe, como as dificuldades enfrentadas no sul segregado dos Estados Unidos, os pequenos êxitos e as grandes desilusões, Lauterbach constrói uma narrativa profundamente humana. Não estamos perante uma tese académica fria, mas sim um relato comovente e necessário de um legado roubado.
A história de Big Mama Thornton, por exemplo — que gravou Hound Dog muito antes de Elvis, com uma intensidade e uma crueza que a versão dele jamais alcançou — é apresentada aqui com a dignidade de quem moldou um género. O mesmo se aplica a Arthur “Big Boy” Crudup, autor de That’s All Right, o primeiro single de Elvis, cuja paternidade artística raramente é reconhecida fora dos círculos especializados.
Na sequência do sucesso do filme Elvis de Baz Luhrmann — que reacendeu o debate sobre as raízes negras da carreira do cantor —, o livro de Lauterbach vem oferecer o que o cinema raramente consegue: profundidade, rigor e reparação histórica. Em vez de mais um ensaio laudatório sobre Presley, temos aqui uma investigação que restitui a autoria e o protagonismo aos músicos negros que moldaram o ADN do rock ‘n’ roll.
Before Elvis é uma obra essencial para qualquer leitor interessado na história da música, nas questões raciais que atravessam a cultura americana e na necessidade urgente de reescrever narrativas hegemónicas. Preston Lauterbach não destrói o mito de Elvis — mas coloca-o finalmente em contexto, ao iluminar os nomes que vieram antes dele, com menos palco, mas igual ou maior talento.
Num tempo em que a memória histórica é também um campo de batalha política e cultural, este livro ergue-se como um gesto de justiça e uma poderosa homenagem aos verdadeiros mestres do rock.