Matt Berry – Heard Noises (2025)

Francisco Pereira

O absurdo meticulosamente belo da psicadélia contemporânea.

Matt Berry pode ser mais conhecido pelo grande público como ator e comediante, mas a sua trajetória musical merece atenção própria há já bastante tempo. Em Heard Noises, o seu novo álbum, Berry abandona qualquer compromisso com as convenções para se entregar completamente à sua veia mais experimental e estética. O resultado é uma obra que soa ao mesmo tempo caleidoscópica e profundamente coesa.

Este disco não se contenta com uma única direção: ele passeia com leveza por paisagens psicadélicas, flerta com o space pop e resgata ecos de uma Califórnia dos anos 60 que talvez nunca tenha existido, mas que aqui ganha uma forma quase tangível. Cada faixa parece abrir um novo portal, como se Berry estivesse a conduzir o ouvinte por uma casa de espelhos sonora, às vezes introspectiva, às vezes exuberante, mas sempre envolvente.

Ao contrário de trabalhos anteriores onde a densidade instrumental e os arranjos maximalistas eram protagonistas, Heard Noises aposta na clareza. Há espaço entre os instrumentos, respirações entre os versos, e essa abertura permite que cada elemento acabe por brilhar. Órgãos, mellotrons e harmonias vocais aparecem com precisão quase cirúrgica, revelando um músico que domina o seu ofício e sabe exatamente quando segurar ou quando soltar.

A voz de Berry soa particularmente segura neste álbum. Mais do que nunca, ele canta com uma convicção que é tanto técnica quanto emocional. Em algumas faixas, a entrega chega a ser vulnerável, o que surpreende vindo de alguém cuja persona pública costuma apoiar-se na ironia. Aqui, há sinceridade, há risco, e isso enriquece profundamente a escuta.

O disco ainda beneficia de colaborações inesperadas e bem posicionadas, que funcionam não como artifício, mas como uma extensão natural do universo que o compositor constrói. Os duetos são precisos, pontuais, e nunca desviam o foco do que mais importa: a atmosfera.

Numa altura em que imperam as playlists descartáveis e os álbuns que parecem coleções de singles soltos, Heard Noises destaca-se por exigir (e recompensar) uma escuta contínua. É uma obra feita para ser absorvida inteira, com fones de ouvido e atenção plena. Há um senso de liberdade criativa aqui que poucos artistas ousam explorar, e menos ainda conseguem executar com tamanha elegância.

Matt Berry não brinca apenas com sons estranhos ou nostalgia vintage. Ele está a criar um espaço para o estranho, para o desvio, para aquilo que não precisa de fazer sentido imediato — e que precisamente por isso, acaba por ser profundamente tocante.

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