The Narrow Road to the Deep North: amor, guerra e o que sobra no fim

Eduardo Marino

Uma série australiana com ambição literária, violência extrema e um protagonista que é hoje um dos rostos mais desejados da televisão.

Baseada no romance homónimo de Richard Flanagan, vencedor do Booker Prize em 2014, The Narrow Road to the Deep North chegou aora a Portugal através do canal AXN e tem dado que falar — não apenas pela presença magnética de Jacob Elordi, mas também pela intensidade com que retrata o trauma, o amor e a brutalidade da guerra.

A história segue Dorrigo Evans (Elordi), um jovem médico australiano que sobrevive como prisioneiro num campo japonês durante a Segunda Guerra Mundial, onde é forçado, como tantos outros, a trabalhar na infame linha férrea da Birmânia. Entre o calor húmido, as doenças, a fome e a violência sistemática, Dorrigo torna-se uma figura quase mitológica entre os seus companheiros — ao mesmo tempo herói e relutante líder, um homem constantemente assombrado pelo passado.

Mas a série não é apenas sobre guerra. O outro pilar da narrativa é a história de amor entre Dorrigo e Amy, a mulher do seu tio, com quem vive uma relação intensa antes de ser enviado para o conflito. Essa paixão breve mas arrebatadora funciona como ponto de fuga emocional e motor interno de muitas das escolhas que Dorrigo faz ao longo da vida. Entre flashbacks e saltos temporais, a série constrói uma teia entre presente e passado, entre aquilo que foi vivido e o que ficou por viver.

Jacob Elordi, conhecido por Euphoria e Saltburn, assume aqui um papel mais contido, mas nem por isso menos exigente. A sua performance carrega uma fisicalidade marcada pelas cicatrizes da guerra, sem nunca abandonar o olhar interior de quem está permanentemente dividido entre o dever, a culpa e a memória. A escolha de Elordi para um projeto como este mostra também a versatilidade que está a consolidar: não é apenas uma estrela em ascensão, é um ator capaz de transitar entre o blockbuster e o drama de autor.

Um dos aspetos que mais tem gerado conversa são as cenas gráficas — tanto de violência como de intimidade. Há execuções, torturas e humilhações filmadas com um realismo desconcertante. A série não poupa o espectador, mostrando o corpo humano na sua fragilidade extrema. O mesmo acontece com os momentos de erotismo, filmados de forma crua e direta, que fogem aos filtros habituais da televisão mainstream.

Mas o que sobressai é a forma como a série trata a memória. Como aquilo que Dorrigo viveu, ou acredita ter vivido, vai sendo filtrado pelo tempo e pelas versões que os outros também guardam. Uma das frases mais marcantes da minissérie surge quase no fim: “Durante anos pensei que a guerra me tinha estragado. Mas com o tempo percebi que foi o amor.” Essa ideia — a de que o que nos marca não é apenas a violência, mas também a ausência, a perda e o que nunca se concretizou — é o verdadeiro coração da série.

The Narrow Road to the Deep North é exigente, não tanto pelo enredo, mas pela forma como obriga o espectador a confrontar o desconforto. E a lembrar que as maiores cicatrizes não são sempre visíveis.